São Paulo, quarta-feira, 21 de maio de 1997
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FEF x FAT: a cara do governo FHC na área social

VICENTE PAULO DA SILVA; DELÚBIO SOARES DE CASTRO

VICENTE PAULO DA SILVA
DELÚBIO SOARES DE CASTRO
Com clareza cada vez maior, este governo revela-se uma administração de uma obra só: a queda da inflação (para não avançar, agora, na seara desbaratada nos últimos dias por esta Folha). E, mesmo no campo da estabilização, hoje há um quase consenso, mesmo no interior da equipe econômica, de que o Plano Real já viu dias melhores.
Mas isso só não basta. Chamamos a atenção da sociedade para um fracasso pouco alardeado -a não ser, é claro, nos mercados financeiros: a área fiscal.
Nesse campo, o furor reformista do governo e sua capacidade de passar o rolo compressor nos demais poderes são tímidos, quase inexistentes. Ninguém mais fala em reforma fiscal e tributária.
Ao contrário, fala-se novamente em prorrogar o antigo e famigerado Fundo Social de Emergência (que não é nem social, nem de emergência), que o governo houve por bem renomear de Fundo de Estabilização Fiscal (FEF).
Trata-se de um dispositivo pretensamente transitório, destinado a segurar as pontas na área fiscal, enquanto não vem a "verdadeira" reforma tributária. E, transitoriamente, já dura três anos e meio -prorrogáveis por mais quantos? Mas, apesar de transitório, está longe de ser inofensivo. No ano passado, o FEF retirou cerca de R$ 1,7 bilhão do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e outro tanto de Estados e municípios.
Falemos do FAT. Com os recursos que lhe foram subtraídos, o Conselho Deliberativo do FAT (Codefat) e o Ministério do Trabalho poderiam ter adicionado cerca de 9 milhões de trabalhadores ao tão propagandeado programa de qualificação e formação profissional, quase multiplicando por dez sua abrangência (mas ainda ficando distante da meta de treinamento de 20% da PEA).
Poderiam, alternativamente, ter gerado 700 mil novas ocupações diretas por meio do Proger, também muito alardeado pela propaganda oficial.
Isso contribuiria para amenizar o desemprego e, portanto, reduzir os gastos do FAT com seguro-desemprego, deslocando os recursos para ampliação das políticas ativas de geração de emprego e renda, como demanda a sociedade.
Mas o governo, se não quisesse fazer uma coisa nem outra -nem gerar emprego, nem qualificar e formar os trabalhadores-, poderia usar aqueles recursos ao menos para aliviar as condições de vida dos desempregados.
Lembrando que hoje o desemprego de longa duração é o que predomina no setor formal, o dinheiro do FAT que foi para o FEF poderia ser utilizado para estender em pelo menos mais dois meses o benefício do seguro-desemprego.
Mas nada disso está nas prioridades do governo. Enquanto a área social e o crescimento econômico ficam relegados para um futuro sempre postergável, parcela crescente da arrecadação vai sendo comprometida com o pagamento de juros exorbitantes (ou pornográficos, como afirmou um ministro conhecido por sua incontinência e destempero verbal) aos credores internos e externos do setor público.
No ano passado, a carga de juros beirou os R$ 30 bilhões (quase 4% do PIB), revelando a verdadeira prioridade da atual administração federal.
Os juros comem a receita pública, e o governo reage cortando no osso os gastos não-financeiros. É essa a diretriz embutida na pretensão de renovar o FEF. Enquanto isso, o FAT, sigla menos nobre, amarga déficits desde 95.
Apenas no ano passado, o rombo provocado no FAT pelo FEF ficou próximo de R$ 1 bilhão, tendo sido coberto com a descapitalização de seu patrimônio -e, portanto, reduzindo aos poucos sua capacidade de ser utilizado como "funding" para os programas de geração de emprego e renda.
A persistir essa situação, em breve o FAT trilhará o percurso já avançado pelo FGTS, minando seu potencial de alavancar o desenvolvimento social.
Nós da CUT, juntamente com outros setores da sociedade, demonstramos junto ao Congresso nosso inconformismo com essa situação. Os governadores e prefeitos sabem do que se trata, tratados como vêm sendo a pão e água (às vezes, nem isso) pelo governo federal, e ainda sofrendo com a redução dos recursos do Fundo de Participação de Estados e municípios.
E a inclusão do FAT no FEF torna ainda mais minguados seus recursos. As comissões estaduais e municipais do trabalho e do emprego, hoje disseminadas pelo país como fóruns democráticos de gestão da política pública, à semelhança do Codefat, vêem frustradas suas expectativas.
Perde também o BNDES, agência pública de desenvolvimento que vem tentando fazer jus ao "S" que ostenta em sua sigla (para quem não se lembra, vem de social) e desvencilhar-se da fama de banco do grandes industriais.
Com a proposta de prorrogação do FEF, o governo FHC mostra sua cara. Não a tão custosamente trabalhada nas agências oficiais de propaganda, mas aquela que, oculta sob uma incompatibilidade entre siglas (FEF, FAT, quem sabe do que se trata?), traduz-se no privilégio conferido aos gastos financeiros, em detrimento do social. É essa a conta que cobramos.

Vicente Paulo da Silva, 40, metalúrgico, é presidente da CUT (Central Única dos Trabalhadores) e presidente do Inspir (Instituto Interamericano pela Igualdade Racial). Foi presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC (1987-94).

Delúbio Soares de Castro, 41, é representante da CUT no Codefat (Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador).

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