São Paulo, quarta-feira, 21 de maio de 1997
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Técnicos pregam fim da especialização

DA REPORTAGEM LOCAL; DA AGÊNCIA FOLHA, EM SANTOS

A fase final do Campeonato Paulista só começa no próximo sábado, mas os técnicos Márcio Araújo -Palmeiras-, Wanderley Luxemburgo -Santos-, Nelsinho Batista -Corinthians- e Dario Pereyra -São Paulo-, já preparam seus jogadores.
Separados, os quatro treinadores responderam a um mesmo questionário, elaborado pela Folha.
Os técnicos defendem a diversificação dos atletas, dizem poder ajudar na evolução do futebol e aprovam a organização do torneio.
A ordem das respostas segue a classificação de suas equipes na primeira fase da competição.
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Folha - Os finalistas têm variado o posicionamento de seus jogadores: volantes jogando na lateral; laterais, no meio... Em sua equipe, isso indica o fim da especialização, o início do processo de flexibilização tática, ou é puro improviso?
Márcio Araújo - Precisamos de atletas que possam fazer várias funções. É o talento do jogador que conta. No Palmeiras, o Cafu é o grande exemplo dessa diversidade. Na última partida do nosso time ele jogou até como atacante.
A simples improvisação geralmente não funciona.
Wanderley Luxemburgo - A coisa que eu mais venho tentando passar é que o futebol é participativo. Acabou o negócio de que atacante não pode marcar. Você tem que melhorar a performance do atleta. Para ser volante não precisa ser robô. Veja o Silvinho (lateral-esquerdo do Corinthians) jogando de volante e atuando muito bem. A grande modernidade no futebol é criar uma estrutura nas categorias de base para modernizar o atleta, como no vôlei, onde todos jogavam fixos até o José Roberto (Guimarães). Na seleção dele, todos tinham múltiplas funções. Pegou todo mundo de surpresa. Quando se deram conta, o Brasil tinha conquistado a Olimpíada.
Nelsinho - Existe um processo hoje no qual o jogador não pode mais dizer que só ataca ou só defende, que é só um atacante ou só um defensor. Dentro de suas características, o jogador pode ser utilizado em outras funções. É uma tendência no futebol, até mesmo porque às vezes você não tem um substituto da mesma qualificação do titular. Outro problema é que quem está fora do time não está no mesmo ritmo de jogo, então é melhor você utilizar quem já está com mais ritmo.
Dario Pereyra - É mais por circunstância. Os plantéis são muito pequenos. Como os jogadores são suspensos, se contundem, às vezes você precisa improvisar.
Mas há uma tendência de os atletas serem polivalentes. Com o Telê, por exemplo, o Ronaldão jogou de volante, e o Leonardo deixou a lateral para ser meia. O Cafu é um símbolo do jogador polivalente.
Folha - Dos quatro técnicos finalistas, três foram jogadores de clubes paulistas. Ter crescido em um Estado ajuda ao disputar um campeonato desse Estado?
Araújo - Na minha opinião, leva um pouco de vantagem o profissional que trabalha em seu Estado de origem. As pessoas já conhecem seu trabalho e seu passado. Quando você é de fora, precisa ratificar todos os dias sua história no futebol. É mais desgastante.
Luxemburgo - Você seria um bom repórter trabalhando só aqui em São Paulo? É capacidade, é qualidade. Você pode trabalhar em São Paulo, amanhã pode mudar para Brasília e ser excelente como aqui. Qualidade profissional pertence a você, independe de onde está trabalhando.
Nelsinho - Não tem vantagem nenhuma. Quando disputei o Campeonato Paranaense com o Atlético-PR, eu era o único treinador de fora do Estado. Disseram que isso me traria dificuldades, mas acabamos campeões.
Dario Pereyra - Não sei se isso influencia muito na decisão do campeonato. Acho que é coincidência três ex-jogadores do São Paulo estarem dirigindo times no quadrangular final do Paulista.
Folha - O técnico deve ser amigo dos jogadores? Por quê?
Araújo - Depende da sua definição de amigo. Muitos acham que amigo é o companheiro de baladas. Para mim, o verdadeiro amigo é aquele que aponta os erros.
Como técnico, eu tento ser esse tipo de pessoa. No Palmeiras, os jogadores têm o direito de expressar suas opiniões. Mas eles sabem que a última palavra será minha. Imagine se os atletas não tivessem o direito de falar?
Luxemburgo - Técnico tem de ser amigo, tem de ser profissional, tem de ser meio pai, tem de ser tudo, mas no momento certo. Aquele técnico que é só amigo, que faz churrasco com o jogador por amizade, esquece o lado profissional. Eu sou amigo do meu jogador, apesar de muita gente pensar que não, porque sou durão e cobro dos jogadores. Sou amigo, tomo cerveja, vou para churrasco com eles, mas no momento que pode.
Nelsinho - O técnico deve ser amigo, mas saber separar as coisas. O jogador tem que saber separar a amizade do trabalho. Não pode extrapolar nenhuma das partes.
Dario Pereyra - Eu acredito que deve ter sim amizade, respeito, um bom relacionamento. O convívio acaba fazendo a amizade. Isso vale não só para os jogadores, mas também para os diretores, para os preparadores, para todos.
Folha - O futebol tem evoluído a ponto de os antigos treinadores não conseguirem mais se reciclar em tempo hábil?
Araújo - A coisa está muito veloz mesmo. O importante é o técnico, independente da idade, ter um espírito renovado. O Telê Santana é um bom exemplo disso. Os clubes não podem ficar sem a experiência dos mais antigos.
Luxemburgo - Isso faz parte. Aprendi muito com a geração do Telê, do Rubens Minelli, do Ênio Andrade, do Zagallo. Agora, a nossa geração está chegando e ocupando um espaço, mas, daqui há pouco, vai chegar uma outra para ocupar o nosso espaço. É o processo natural da vida.
Nelsinho - Não é que os antigos não estão se reciclando, existe uma nova safra de técnicos e existe uma abertura maior para eles, o que não acontecia antes. Antes os técnicos eram sempre os mesmos, que se revezavam nos clubes.
Dario Pereyra - O futebol sempre foi a mesma história. Os técnicos antigos ainda podem trabalhar. Aqui no Brasil há uma rotatividade muito grande de treinadores, por isso é que temos vários técnicos novos. Muitos foram interinos que mostraram competência. Outros não tiveram a mesma sorte.
Na Europa, os técnicos fazem contratos longos. Um técnico interino lá não tem muita chance.
Folha - Como você acha que pode contribuir para essa evolução?
Araújo - Fomos colocados nesse mundo para realizarmos algumas coisas. Todos são diferentes e têm características únicas.
Eu por exemplo, tento ser justo e compreensivo, mas estou no Palmeiras por causa da minha competência. Acho que é a minha contribuição ao futebol.
Luxemburgo - Me preocupo em contribuir. Quando se fala no Wanderley Luxemburgo, se fala na filosofia do Luxemburgo, as pessoas se identificam com o meu trabalho. Hoje, estamos aí com a informática dentro do futebol porque eu trouxe a preleção informatizada. Todos buscam o mesmo agora, porque o atleta entende melhor. Amanhã, alguém vai chegar com alguma coisa diferente.
Nelsinho - Não tenho interesse fora do futebol. Minhas orientações táticas e técnicas são sempre para melhorar o futebol. Não é só ganhar o jogo, porque nem sempre você vai ganhar. É importante o profissionalismo. Fico satisfeito quando um jogador que trabalhou comigo vai para a seleção.
Dario Pereyra - Não sei. Tenho muitas coisas na cabeça, mas é difícil dizer. Não sei qual é a principal coisa que eu posso fazer para ajudar o futebol. Eu tenho uma fórmula própria para jogar, mas não conheço todas as outras para dizer se a minha é melhor ou não.
Folha - O que deve predominar em uma equipe, a tática ou o talento individual de um jogador?
Araújo - É difícil separar as duas coisas. Nessa fase do Paulista, por exemplo, vai valer mais a vibração e a garra do que outros fatores.
As quatro equipes se equivalem.
Luxemburgo - É um conjunto de coisas importantes. Não adianta dizer que é a tática ou a técnica. Acima desse conjunto de coisas, você é importante, você tem de ser um vencedor, acreditar no seu eu, em você, que você possa ser um vencedor. Se você não acreditar nisso, não adianta você ter esse conjunto de coisas, que não chega a lugar nenhum. O importante é você se projetar para vencer.
Nelsinho - A parte tática hoje é muito importante, mas quando você tem um jogador que decide, você tem que adaptar a tática a ele. Dario Pereyra - As duas coisas. A determinação tática é muito importante, mas o talento de um jogador decide. Não tem como separar a tática do talento.
Folha - O Paulista é um campeonato de Primeiro Mundo? Por quê?
Araújo - Sim. A federação estudou e colocou em prática várias medidas para melhorar o torneio.
Só acho que alguns clubes do interior ficaram do esperado, porque muitas empresas deixaram de investir no futebol.
Isso prejudicou a performance de muitos times.
Luxemburgo - Ficou no meio do caminho, entre o Primeiro Mundo e o Terceiro Mundo. Algumas coisas deixaram a desejar. O importante é que ele (Eduardo José Farah) tentou modernizar. O futebol paulista hoje é mais bem jogado, mais bem estruturado. Tivemos dificuldades e alguns erros. O importante agora é crescer. Não chegou no Primeiro Mundo, mas chegou próximo e tem tudo para poder evoluir. Acho que o Farah está de parabéns por ter feito esse campeonato e até ter reconhecido alguns erros que aconteceram.
Nelsinho - É de Primeiro Mundo, sem dúvida. Problemas nós só tivemos os de rotina, nada demais. Foi um campeonato organizado, disputado em bons gramados.
Dario Pereyra - O campeonato foi e está sendo muito bom. Se é de Primeiro Mundo, não sei, mas os quatro melhores times estão na fase final. Achei muito bom a federação ajudar financeiramente os clubes. Hoje as rendas são baixas, os times precisam de ajuda.

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