São Paulo, sexta-feira, 23 de maio de 1997
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Neonazista frequenta divã judeu em filme sueco

AUGUSTO MASSI
ESPECIAL PARA A FOLHA

"Um Skinhead no Divã" começa com uma cena de espancamento protagonizada por manifestantes neonazistas. Sõren, um de seus membros, depois de agredido e acusado de traidor, encontra refúgio na cabine de um trem. É quando conhece Jacob, um psicanalista judeu que, além de lhe socorrer, dispõe-se a conversar e a tratá-lo tanto em seu local de trabalho como em sua própria casa.
A diretora sueca Suzanne Osten conseguiu explorar ao máximo os contrastes entre a figura frágil e delicada de Jacob (Etienne Glaser), sempre exposta e ameaçada pelo ódio racista de Sõren (Simon Norrthon). O que há de melhor no filme deve-se a criação dessa tensão constante, minucioso relato de uma aproximação entre figuras tão opostas.
As sessões na casa de Jacob, embora filmadas num espaço amplo -lembram vagamente o ritmo de um ensaio teatral-, incutem no espectador uma sensação opressiva que raramente se distende. As conversas são interrompidas apenas por rápidos registros de ações do grupo neonazista ou de imagens circunscritas ao quarto de Sõren, onde entoa canções racistas.
Em alguns momentos, Jacob consegue mentalmente encurralar Sõren, força-o a reconhecer que sua violência é um modo de ocultar o medo que sente, e o faz questionar preconceitos difundidos pelo seu grupo de amigos. Numa das raras lufadas de descontração, os dois sorriem diante da afirmação de Sõren: "Sabe que você é um pé no saco?" A frase é acatada com ternura por Jacob.
Mas, logo em seguida, é a sua vez de ser pressionado. Sõren consegue desmontar a serenidade controlada do psicanalista duvidando da existência de Auschwitz e sugerindo que os judeus inventaram o Holocausto assim como Hollywood construiu sua fábrica de ilusões.
Jacob rebate lembrando que perdeu o pai e a irmã em Auschwitz e que para ele próprio não morrer teve de deixar a Alemanha.
Nesse ponto ficam esgotadas as possibilidades de diálogo. Até o final o confronto entre ambos permanece em aberto.
A diretora Suzanne Osten amplia o campo de visão, discretamente recoloca Jacob e Sõren num enquadramento maior, diante da máxima disparada por um dos passageiros que viajam no trem: "Não haveria tantos racistas se não houvesse tantos imigrantes".
"Um Skinhead no divã" existe para combater esse enrijecimento do senso comum. A Suécia não está tão longe daqui.

Filme: Um Skinhead no Divã
Produção: Suécia, 1992
Direção: Suzanne Osten
Com: Etienne Glaser e Simon Norrthon
Quando: a partir de hoje no Cinesesc

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