São Paulo, sábado, 24 de maio de 1997
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O "Che" e Stedile

CLÓVIS ROSSI

São Paulo - Está certo que João Pedro Stedile, o líder do MST, exagerou na dose ao incitar todos os sem-alguma-coisa a invadir o que lhes falta (de terrenos baldios a supermercados).
Tanto exagerou que ele próprio se corrigiu parcialmente de anteontem para ontem, ao trocar "invasão" (dos supermercados) por "vigília" (para expor o problema da fome).
O exagero aparece por qualquer lado que se olhe. Sugerir que a lei seja deixada de lado equivale a perder o direito de reclamar quando os fazendeiros fizerem a mesma coisa e matarem mais sem-terra.
Passemos, só para raciocinar, ao ângulo, digamos, revolucionário. O que aconteceria se todos os sem-alguma-coisa seguissem a sugestão de Stedile e invadissem algo? O país se transformaria em um imenso soviete de operários, camponeses, miseráveis, soldados e marinheiros prestes a criar outro "outubro glorioso"?
Nada. Aconteceria o mesmo que aconteceu na embaixada do Japão em Lima (Peru): mais um punhado de mortos. No limite, o presidente da República chamaria as "baionetas", como ameaçou no discurso de anteontem. A esquerda já deveria ter aprendido que retrocessos institucionais jogam contra ela, em vez de criar um ambiente de revolta contra a opressão.
Fosse o contrário, "Che" Guevara não teria sido morto nas selvas da Bolívia, delatado pelos camponeses a quem se propunha salvar da opressão.
Bobagens à parte, é preciso dar um desconto aos arroubos do líder do MST. É um radical? É. Mas mais radical é a situação a que se opõe.
É preciso mesmo sacudir pelo radicalismo um país em que a distribuição de renda é das piores do mundo, sem que tenha havido desastres naturais ou guerras civis, e que, ainda por cima, dispõe de recursos e território superiores aos de muitos outros, menos obscenos socialmente.
O problema, para voltar ao "Che", é que "hay que endurecer, pero sin perder la ternura (e o bom senso) jamás".

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