São Paulo, terça-feira, 27 de maio de 1997
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De Bancoc a Brasília

CELSO PINTO
DE BANCOC A BRASÍLIA

O mais recente sinal de alerta para o Brasil, na área externa, vem da Tailândia. Bancoc começou a estragar uma das mais cultivadas teorias, em Brasília, sobre por que os déficits externos não devem preocupar.
A teoria, que o ministro da Fazenda, Pedro Malan, gosta de repetir, é que, se muitos países em desenvolvimento, especialmente os "tigres asiáticos", têm mantido, sem problemas, déficits externos altíssimos, por que o Brasil não poderia?
Não mais. A Tailândia, um dos novos "tigres", estragou o "script". O país sofreu um ataque especulativo dos mercados financeiros contra sua moeda, o baht, que só foi vencido às custas de controles cambiais, intervenção conjunta de vários bancos centrais da região e juros na lua. Num país com inflação anual de 4,5%, o Banco Central foi obrigado a elevar os juros de curto prazo em aplicações "offshore" para quase 1.400% ao ano.
O governo conseguiu evitar a desvalorização, pelo menos por enquanto, mas a tensão continua. Ontem, a notícia que a absorção do banco Finance One pelo Thai Danu Bank havia fracassado fez a Bolsa de Bancoc despencar. O desastre só não foi maior porque uma providencial quebra do computador da bolsa suspendeu as negociações a maior parte do dia.
A Tailândia quer evitar uma desvalorização porque, com déficits externos altíssimos, acumulou uma dívida externa de US$ 95 bilhões, equivalente a 47% de seu PIB. Uma desvalorização teria efeitos muito negativos sobre empresas e bancos fortemente endividados em dólares. O déficit em conta corrente da Tailândia foi de 8,1% do PIB em 94, 7,6% em 95 e 7,5% no ano passado -níveis comparáveis aos do México antes da crise de 94. Ao contrário do México, contudo, a Tailândia manteve altas taxas de crescimento, entre 7% e 9% ao ano. Com toda a crise, o país deverá crescer 5% neste ano. As contas fiscais foram superavitárias na última década e, no pior cenário, apresentarão um pequeno déficit neste ano. O que deu errado?
Um dos problemas da Tailândia é seu sistema cambial, que usa o dólar como referência. A forte valorização recente do dólar frente ao iene japonês tirou a competitividade do baht e das exportações tailandesas. Além disso, a exemplo de outros "tigres", também na Tailândia o sistema bancário está abalado.
A questão é que o milagre tailandês da última década não impediu o ataque especulativo. Outros "tigres", como a Malásia, Indonésia e Filipinas, tiveram de aumentar suas taxas de juros e intervir nos mercados cambiais. A crise na Tailândia afetou a imagem da região, já arranhada pela queda das exportações no ano passado, crise bancária e confusão política em alguns países.
A moral da história não é que o milagre dos "tigres" acabou, mas que não há país ou região imune a crises de confiança ou ataques especulativos. Quanto maior a vulnerabilidade externa, pior.
Quando Brasília fala na tranquilidade com que os "tigres asiáticos" têm manejado altíssimos déficits em conta corrente, está se referindo ao passado. O que está acontecendo, hoje, é o oposto: um esforço para reduzir os déficits em conta corrente e, com isso, reforçar a confiança dos mercados.
Dados do banco americano J.P. Morgan mostram isso. O déficit em conta corrente da Tailândia vem caindo desde 94, e a projeção é que fique em 3,1% do PIB neste ano. A Coréia, cujo déficit chegou a 4,8% do PIB ano passado, deverá ter um déficit de 3,7% este ano. O déficit da Malásia, que chegou a 7,7% do PIB em 95, deve cair para 5,6% este ano. A Indonésia deve ter um déficit de 3,7% do PIB neste ano, e as Filipinas, de 4,1%.
As projeções indicam que, no próximo ano, os países da região esperam reduzir ainda mais seus déficits em conta corrente. Enquanto isso, o déficit do Brasil, inexistente até 94, chegou a 3,9% do PIB em abril, deve fechar o ano acima de 4% e pode chegar a mais de 4,5% do PIB em 98.
A conclusão é incômoda. Se essas projeções estiverem corretas, já neste ano o Brasil terá um déficit em conta corrente maior do que o dos "tigres asiáticos", exceto a Malásia. E crescente.

E-mail: CelPinto@uol.com.br

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