São Paulo, terça-feira, 27 de maio de 1997
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ONG quer controle social da polícia

AUGUSTO GAZIR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O problema da violência nas cidades brasileiras será resolvido com uma política de segurança participativa, de fiscalização das polícias pela sociedade civil.
Essa é a opinião do antropólogo Rubem César Fernandes, 54, coordenador do Viva Rio, um movimento criado para tentar diminuir a violência no Rio. Segundo ele, já há experiências nesse sentido sendo colocadas em prática no país.
"A criação de um ambiente seguro envolve a sociedade inteira", afirmou Fernandes.
O Viva Rio realiza desde ontem um seminário, em Brasília, para apresentar e discutir essas novas experiências.
Fernandes quer levar as experiências regionais para a comissão do Ministério da Justiça que vai propor mudanças nas polícias militares no país. A comissão, liderada pelo secretário nacional de Direitos Humanos, José Gregori, tem 60 dias para apresentar seus resultados.
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Folha - Quais as novidades do seminário?
Rubem César Fernandes - Já tem muita coisa positiva acontecendo no Brasil. Muito mais do que a gente imagina.
A gente não percebe que há um movimento positivo no sentido de aproximação entre polícia e sociedade civil. Há uma transformação histórica se você pensar que há alguns poucos anos existia a tribo dos direitos humanos de um lado e a tribo da segurança de outro, e elas guerreavam.
No Brasil, já está acontecendo uma integração, em que de um lado a idéia de segurança passa a ser vista como parte dos direitos humanos e de outro a noção que segurança não é só assunto de polícia, de Exército, de Estado.
A criação de um ambiente seguro envolve a sociedade inteira. A reconstrução tem que vir de cima, de baixo e dos lados.
Folha - Cite exemplos dessas experiências positivas.
Fernandes - Multiplicação de conselhos comunitários de segurança. São conselhos, às vezes, até no âmbito do bairro, do batalhão. Quanto mais perto de casa, mais relevante.
No Rio Grande do Sul, há 170 conselhos organizados. Em São Paulo, também há conselhos. No Espírito Santo, existe a estratégia do policiamento comunitário. Em Pernambuco, há o programa de proteção de testemunhas.
Folha - Isso é que é uma segurança participativa?
Fernandes - Exatamente. Você reúne com o batalhão local instituições como escola, comércio e associação de moradores para conversar sobre os problemas de segurança da região.
Folha - É como um controle externo?
Fernandes - O controle que realmente funciona é o externo. Isso para todo mundo, não só para a polícia. À medida que essas organizações regularmente se reúnam com o batalhão para discutir as ações de polícia, esse controle vai se construindo no dia-a-dia.
Folha - E quanto ao episódio dos sem-teto em São Paulo?
Fernandes - Isso reflete o despreparo da polícia para trabalhar com situações de conflito coletivo. A mesma polícia paulista já aprendeu a conviver bem com as grandes greves. Nos anos 70, as greves do ABC também geraram mortes. Hoje, já há conhecimento mútuo. Os dois lados, os sindicatos e a polícia, já aprenderam os limites da ação. O caso dos sem-teto demonstra de um lado o despreparo de quem comandou a ação da polícia. De outro, demonstra que se está lidando com movimentos menos organizados que o sindical.
Aí, a presença de organizações como a igreja e ONGs para fazer a mediação é fundamental.
Folha - O sr. é fundador de um movimento antiviolência. Lutar contra a violência é lutar para reformar a polícia?
Fernandes - É muito mais que isso. É lutar pela reforma no Brasil. Todo mundo participa da corrupção. Somos todos corruptores, sobretudo a classe média. No trânsito, em mil situações embaraçosas que envolvem a polícia, todos participamos da corrupção.
As drogas, por exemplo, são uma uma grande fonte de insegurança, e o consumo maior vem das classes mais altas. Na nossa história, a polícia ocupa um lugar para tratar com a miséria. Com os perigos que vêm do alto, lidamos de outra maneira.

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