São Paulo, terça-feira, 27 de maio de 1997
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Um protocolo que revela péssimas intenções

JOSÉ LOPEZ FEIJÓO

Um "protocolo de (péssimas) intenções" contra os trabalhadores brasileiros foi assinado entre empresários e supostos representantes dos trabalhadores ligados à Força Sindical e sindicatos a ela filiados e entregue ao ministro do Trabalho, Paulo Paiva. Pasmem, o documento ironicamente se autonomeia "Projeto Solidariedade".
Pelo teor da proposta, não seria insensato por parte da Força Sindical tomar, como próximo passo, a iniciativa de propor uma fusão com a Fiesp. Tanto eles poderiam mudar para a avenida Paulista quanto os empresários mudarem para a rua Galvão Bueno. Já não existe, entre os propositores do protocolo, nenhuma diferença.
Esse projeto não demonstra nenhum compromisso com a geração de empregos. Diferente da campanha pela redução da jornada legal de trabalho de 44 para 40 horas semanais sem redução dos salários, que nós, da CUT, propomos, o projeto assinado e defendido publicamente pela Força Sindical investe na redução dos direitos dos trabalhadores brasileiros e na precarização das já tão difíceis condições de trabalho em nosso país.
Ele funciona, na prática, como um complemento da absurda proposta de contrato temporário de trabalho que tramita agora no Senado.
A Força Sindical tem propagandeado ser esse um projeto de redução da jornada de trabalho. O que representantes daquela suposta central de trabalhadores não têm dito é que assinaram um acordo no qual se comprometeram a reduzir o salário dos trabalhadores, inclusive dos que a ela estão filiados, sem terem garantido a geração de novos empregos.
Ao falar em pagar somente as horas efetivamente trabalhadas, o projeto não só assegura a redução do salário, como também elimina o descanso semanal remunerado e coloca em risco o próprio direito às férias. A proposta soa, assim, como uma distribuição de renda às avessas.
O que esse clone invertido de Robin Hood, que tira dos pobres para dar aos ricos, está querendo é, em resumo, uma gigantesca transferência de renda não só dos trabalhadores, mas também do Estado e dos aposentados para o capital. Ou seja, aspira mais benefícios para um empresariado que se mostra muito longe de cumprir com sua cota de responsabilidade social.
Essa ambição implica, por sua vez, o enxugamento da receita do Estado destinada às questões sociais. O suposto Projeto Solidariedade inviabiliza quaisquer gastos e investimentos nas áreas sociais e de infra-estrutura, que são também fontes geradoras de emprego.
A renúncia fiscal estimada para a Previdência Social, por exemplo, é de cerca de um terço da arrecadação do ano passado. Isso equivale a R$ 15,875 bilhões, segundo dados da Secretaria da Receita Federal. Ao limitar o ingresso de receitas para a Previdência, a proposta da Força Sindical fortalece uma iniciativa do governo que é, para dizer o mínimo, cruel.
A Previdência funciona como uma rede de solidariedade de trabalhadores da ativa e empresários para a manutenção daqueles que estão aposentados. Quando propõe a redução da receita da Previdência, a Força Sindical joga água no moinho do governo, que quer impor uma aposentadoria por idade impossível de ser alcançada pelos trabalhadores. Onde está a solidariedade?
Além da redução dos salários, da perda do descanso semanal remunerado, da colocação do direito às férias em risco e da volumosa diminuição dos recursos da Previdência, a redução da contribuição para manter o PIS/Pasep pode alcançar o total de R$ 3,5 bilhões, representando metade dos recursos para o FAT -Fundo de Amparo ao Trabalhador.
O FAT, para quem não sabe, financia programas de requalificação profissional e o seguro-desemprego. Seu enxugamento significa, portanto, mais perdas para os trabalhadores.
Para a Cofins, que tem verba destinada à saúde e assistência social, a renúncia fiscal totaliza nada menos que R$ 8,4 bilhões. Se incluirmos a redução de 40% da alíquota do IPI, outro ponto do protocolo, teremos um abatimento de mais R$ 5,8 bilhões dos cofres do governo federal.
Há ainda a intenção de retirar o que hoje equivale a R$ 3,1 bilhões da Contribuição Social sobre Lucro Líquido e R$ 4,3 bilhões do Imposto de Renda das empresas.
Somados os valores acima expostos, chegamos ao montante de quase R$ 41 bilhões -o equivalente a 30,5% da arrecadação total do Estado. A esse valor devemos adicionar ainda as renúncias fiscais propostas a Estados -ICMS- e municípios -ISS.
Tão grave quanto o volume da renúncia fiscal proposta é a ausência de critérios que definam o compromisso das empresas em investir em novos postos de trabalho.
Por isso, esse protocolo não é só perigoso. É mais do que isso: busca confundir os trabalhadores -envolvidos agora em um anseio legítimo pela geração de emprego e renda no país- e presta um desserviço à classe e à sociedade.

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