São Paulo, terça-feira, 27 de maio de 1997
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Beatriz Azevedo mostra ópera do Brasil

DANIELA ROCHA
DA REPORTAGEM LOCAL

Dá para imaginar um espetáculo que tem atores que são músicos, capazes de dançar, cantar, fazer malabarismos e acrobacias, além de interpretar o texto e executar canções? "Peripatético", de Beatriz Azevedo, 29, tem tudo isso. O texto terá leitura hoje, às 19h30, na Folha.
A autora, diretora e também integrante do elenco de "Peripatético" quer provar que um texto que reúne tantas linguagens, referências e habilidades tem encenação possível, e já marcou a estréia para julho -em local que ainda está sendo negociado.
"Peripatético" é um musical; as composições também são de Beatriz Azevedo. Ela tenta lembrar um tempo em que o circo tinha artistas completos. "Os palhaços eram capazes de tocar um instrumento musical, dançar e fazer rir, tudo ao mesmo tempo. O circo é a ópera brasileira", diz.
Em "Peripatético", Beatriz reuniu músicos que já haviam feito trabalhos com teatro, mas não a ponto de interpretar.
"Ficava indignada em ver espetáculos com música ao vivo que tinham sempre os músicos no cantinho. Entrava o ator em cena e o público até esquecia deles lá. Desta vez, radicalizei e não chamei atores para encenar", diz.
O texto é também uma tentativa de montar um teatro musical brasileiro. "Ele não vai acontecer enquanto não quebrarmos o tabu de colocar o músico em cena", diz.
"Peripatético" mostra a iniciação de uma jovem equilibrista no universo do circo, com todas as dificuldades, medos e desafios que tem de encarar. Além dela, os outros personagens são a Poeta, uma espécie de tutora ou consciência, o Malabarista, o Trapezista, o Domador, a Mágica e o Palhaço.
Todos os personagens circenses do texto têm um paralelo no universo da música e do teatro.
"O exemplo mais elucidativo é o domador do circo, que tem um chicote e comanda, como um maestro que comanda com sua batuta, ou do diretor teatral, que coordena atores", diz. Mas há também o malabarista que é o percussionista, capaz de executar jogos malabares com a maraca.
O circo que ela apresenta é contemporâneo, é pop. A poesia é traduzida em ritmo que pode ser rap, maracatu ou MPB. Beatriz busca referências que vão do escárnio da cultura popular circense à filosofia que liga o circo ao ritual.
"O circo tem uma função religiosa de inverter o mundo, de revelar a deformidade humana. Ao mostrar personagens como anão, mulher barbada, palhaço, ele mostra misticamente a imperfeição, a limitação humana", diz.
"Ao mesmo tempo que o riso tem uma função de cura, o público toma conhecimento inconscientemente das trapaças do destino", afirma ela, que pesquisa circo e arte circense desde 1990, quando começou a trabalhar em teatro.
Os nomes dos personagens que ela utiliza em "Peripatético" são esdrúxulos à primeira vista. Para dar um exemplo, o nome da Poeta é Dimitriunsoceanunscardiodorum de Prolixumlorotum e Blábláblálábia.
Quem interpreta essa personagem é a própria Beatriz. "A Poeta é uma auto-ironia que faço. É a personagem verborrágica, e já tiro um sarro disso no nome. Sou a autora do texto e também sou poeta, uso a palavra em meu trabalho", diz.
Beatriz está ensaiando com seu elenco de músicos-atores desde fevereiro. O cuidado maior ao escrever o texto e ao executá-lo foi de não simplesmente incluir números de circo, mas de fazer uma fusão de linguagens.
A execução do texto não foi a maior dificuldade. "Ainda sofremos com falta de recursos", diz ela. Indignada com a condição do circo brasileiro, Beatriz propõe que o Estado divida a verba usada na manutenção de orquestras e de teatros para formar um circo que tenha os melhores artistas brasileiros da área.
"É um vexame que o Brasil não tenha um circo maravilhoso, correspondente a um Teatro Municipal e sua orquestra", diz.

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