São Paulo, sábado, 31 de maio de 1997
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Preconceito e discriminação

WALTER CENEVIVA
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

As alterações introduzidas pela lei nº 9.459, de 13 de maio último, na legislação que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor despertaram menos atenção do que merecem. Elas distinguiram discriminação e preconceito. Reescreveram regras que tipificavam os delitos correspondentes, abrandaram a dosimetria, ou seja, a quantidade de pena determinada para as condutas delituosas e, por isso, merecem a atenção da sociedade em geral.
A lei originária, que ajustou a punição de tais crimes aos termos da Constituição de 1988, tomou o nº 7.716, ao ser editada, em janeiro de 1989. Seus artigos sofreram diversos acréscimos e exclusões, nos sete anos de sua vigência, em virtude de dúvidas ou de críticas quanto à sua efetividade. A lei nº 9.459, de 13 de maio, sendo muito recente e não tendo recebido justo destaque, dá utilidade prática ao exame das mudanças introduzidas, neste diálogo com o leitor.
O texto de 1989 referia, no artigo 1º, crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor. Desde o início entendeu-se que a definição era muito limitada, explicando o porquê de a lei deste ano incluir discriminação, também em seu artigo 1º, ao lado do preconceito, ampliando modificações surgidas em 1990. Uma ou outra dessas condutas é criminosa. Preconceito e discriminação são tidos por semelhantes na linguagem comum, mas seus efeitos jurídicos são diferentes.
O ato de discriminar consiste em ação dolosa do agente, depreciando alguém, ao tratá-lo diferenciadamente, em função de sua raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. A discriminação corresponde sempre a uma exteriorização intencional da vontade do agente, por ação ou omissão, recusando ou impedindo o exercício regular do direito pela pessoa discriminada.
Preconceito é a opinião firmada por pessoa juridicamente capaz, sem considerar os fatos que lhe sejam contrários. Mantido no espaço interno de suas convicções, sem ser exteriorizado, não tipifica o delito. É punível se manifestado, ainda que sobre pessoas indeterminadas.
O legislador brasileiro tem sido incansavelmente preocupado com a conceituação dessas espécies de delito. Basta ver que o artigo 20 da lei nº 7.716/89 teve seu "caput" (ou seja, a cabeça do dispositivo) acrescido pela lei nº 8.081/90. Os parágrafos 1º e 2º foram renumerados, surgindo um parágrafo 3º, dando nova conformação ao artigo. Tem importância a diferença redacional entre a cabeça do artigo 20, na forma adotada em 1990, e a redação atual. Antes a lei tipificava o delito com estas palavras: "praticar, induzir ou incitar, pelos meios de comunicação social ou por publicação de qualquer natureza, a discriminação ou preconceito de raça, cor, religião, etnia ou procedência nacional". Limitava-se, portanto, ao uso dos meios de divulgação para o ato criminoso. O novo texto é mais simples e mais amplo, sem restringir a delituosidade à mídia impressa ou eletrônica. Passou a considerar crime o ato de "praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito", a propósito dos mesmos fatos anteriormente referidos.
A pena de reclusão de dois a cinco anos foi diminuída, sem razão doutrinária aparente, para um a três anos e multa.
Foi, ainda, mantida a imperfeição estrutural da lei anterior, distinguindo um tipo próprio de delito no parágrafo 1º, sem que este se confunda com a definição ampla da cabeça do artigo 20. Determina o dito parágrafo que incide nas mesmas penas quem fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo. O parágrafo 2º permite ao juiz determinar o recolhimento ou a busca e apreensão dos materiais ofensivos ou a cessação das transmissões radiofônicas ou televisivas discriminatórias.
Por último, anoto que a lei nº 9.459/97 redige mal o novo parágrafo 3º, acrescido ao artigo 140 do Código Penal. Substitui procedência nacional, como objeto de discriminação e preconceito, por origem, embora aquela conste do artigo 1º e não tenha o mesmo significado técnico desta, complicando a vida do estudioso. Com tantas mudanças, será comum que a adequação dos tipos penais descritos aos casos concretos seja sempre complicada. Uma das forças do direito está na estabilidade, sacrificada, nesse caso, pela insegurança dos legisladores.

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