São Paulo, domingo, 1 de junho de 1997
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Empresa vende DNA de índios

MARIO CESAR CARVALHO
DO ENVIADO ESPECIAL À AMAZÔNIA

A Coriell Cell Repositories vende DNA, a molécula que contém toda informação genética e determina se você será gordo ou careca, louro ou míope. Estão à venda dez amostras de dois grupos indígenas brasileiros: cinco de karitiana e cinco de suruí, ambos de Rondônia.
A página da Internet da Coriell (www.arginine.umdnj.edu) oferece material de primeira. Diz que as amostras de karitiana e suruí eram da coleção Stanford/Yale, duas das mais conceituadas universidades dos Estados Unidos.
Segundo a empresa, foi o médico Ken Kidd, da Universidade de Yale, que entregou a ela as amostras dos índios brasileiros.
A Coriell Cell se define como uma empresa científica, sem fins lucrativos. Cobra US$ 500 por cada amostra de DNA.
Informa que o valor serviria para cobrir os custos da coleta e do processamento (o DNA é extraído dos glóbulos vermelhos do sangue).
Pesquisa com material genético é a mais nova fronteira da ciência -e um mercado que promete girar bilhões de dólares.
O primeiro dos grandes negócios já foi fechado. O Sequana Therapeutics, empresa dos EUA, acha que encontrou a chave contra a asma numa tribo da costa da África.
Vendeu as amostras de DNA desse grupo para a Boehringer, laboratório farmacêutico alemão, por US$ 70 milhões.
Nenhuma dos negros ganhou um centavo com a operação.
Os karitiana não têm a menor idéia do que é DNA, mas acham que seu sangue vale dinheiro.
Depois que descobriram que seu DNA está à venda nos Estados Unidos, querem receber de qualquer pesquisador que vá coletar sangue em suas terras, a 70 km de Porto Velho (RO).
Sangue fácil
Antes da descoberta do comércio internacional, a coisa mais fácil do mundo era entrar na terra dos karitiana e tirar sangue dos índios.
Em agosto do ano passado, por exemplo, pesquisadores dos EUA conseguiram autorização da Funai (Fundação Nacional do Índio) para pesquisar uma preguiça gigante na terra dos karitiana.
A preguiça gigante, chamada pelos índios de mapinguari, é um ser lendário da Amazônia, com altura superior à de um homem e couraça que tornaria seu corpo inviolável à faca ou bala.
"Quando nós fomos no mato mostrar a caverna do mapinguari, médico pegou sangue de karitiana. Eles falou: vamos ver se vocês têm anemia, meningite, Aids, doença que mata rápido. Índio deixou que ele tirasse sangue", conta o cacique Cizino Dantas Morais, 45.
"Não entendo como os americanos conseguem uma autorização da Funai para pesquisar a preguiça gigante e acabam coletando sangue", diz Maria Cecília Felipini, 37, advogada do Cimi (Conselho Missionário Indigenista).
O médico que fez a coleta é também antropólogo é chama-se Hilton Pereira da Silva, 30. Faz doutorado em saúde pública e antropologia na Universidade do Estado de Ohio. "Tirei sangue dos índios porque vivem numa situação parecida com a da Etiópia: estavam doentes, subnutridos", diz Silva. Por via das dúvidas, ele fez um documento no qual se compromete a não comercializar o sangue.
A advogada do Cimi tem uma desconfiança de por que há tanto interesse nos karitiana: "Eles quase não têm malária."
Pode ser paranóia pura -mas pode ser a chave para um novo remédio.

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