São Paulo, domingo, 1 de junho de 1997
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E agora, esquerda?

TARSO GENRO

Quando findar o ciclo das privatizações, vão se configurar no país uma nova estrutura de poder e uma nova base de sustentação para o governo FHC.
Originário da liquidação das estatais e apoiado por tarifas de que o setor público jamais dispôs -para gerar novos "fronts" de lucros para o grande capital-, o bloco empresarial da geração do tucanato será generoso em gratidão e financiamentos eleitorais. Aqueles empresários que assumiram o "risco" de controlar mercados praticamente cativos apostarão forte na manutenção do liberalismo em alta. Será indiferente a eles a crise de número exponencial de colegas sufocados por juros extorsivos.
Na economia, serão dezenas de oligopólios, consórcios e prestadores de serviços que reforçarão a sustentação do pacto neoliberal. Trabalharão em vertentes da economia das quais depende todo o resto do sistema produtivo.
O governo FHC terá ao lado, assim, os "pesos-pesados" das economias antiga e atual, mas continuará governando um país com a concentração de renda no mesmo estágio pré-capitalista da época em que assumiu. Teremos um país mais "moderno" (no sentido que a mídia vem emprestando), com um Estado mais "reduzido" na capacidade de monitorar e gerar políticas públicas, mas forte para assegurar a privatização dos lucros e a socialização das perdas. Aliás, como já se faz hoje com o Proer.
Teremos -e é para já- uma situação nova. Nela, a oposição de esquerda não terá estatais a defender nem Estado com políticas "públicas" para preservar. Teremos, sim, empresas privadas com lucro garantido; Estado "interventor" com um "centro" normativo atípico (a força do presidente, com suas MPs); e Banco Central "repassando" à sociedade -pelos juros- os interesses do grande capital especulativo.
Em breve, a esquerda vai se defrontar com uma nova sociedade, mais moderna e elitizada, e terá de "baixar a guarda" para aceitar discussões de fundo sobre seu destino, que luta para construir em condições adversas, sem perder a perspectiva da luta pela igualdade e pela materialização da democracia.
Na concepção tradicional da esquerda, a luta direta de classes era o principal eixo. O Estado interventor era a estrutura modeladora de uma sociedade "abaixo" das instituições públicas, por meio das quais exerceria a autoridade.
Numa concepção de esquerda adequada ao futuro, a inclusão no capitalismo será a luta que vertebrará todas as demais (como luta "indireta" entre classes). E a autonomia da base da sociedade (abandonada pelo Estado mínimo privatista) deverá ser o ponto de partida da luta pelo controle do Estado.
Inclusão e controle social do Estado, eis os temas centrais que pautarão nosso projeto de sociedade aberta para os valores do socialismo, que terá o desafio de governar um Estado já reformado pela ideologia neoliberal.
O Brasil do ano 2000 não será o mesmo que viu o PT nascer. Será um Estado "limpo" das impurezas do nacional-desenvolvimentismo e "pronto" para, dentro da ordem global, permanecer refém "produtivo" do capital volátil. A inserção do Brasil não será a mesma do Paraguai e do Peru. Mesmo fundamentalmente submisso, o Brasil tem uma economia forte, que lhe dá certas condições de barganha e vantagens relativas em relação aos seus parceiros atrasados, já "globalizados".
O presidente já criou uma base política em parte da intelectualidade que foi "de esquerda", que abandonou a capacidade de indignar-se e trocou o fatalismo econômico, que presumidamente levaria ao socialismo, pelo financeiro, que -para eles- leva às maravilhas do mercado desregulado. Nossa tarefa é derrotar em 98 esse modelo, que consolida a exclusão social com frieza e cinismo jamais vistos em nosso país.

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