São Paulo, domingo, 8 de junho de 1997
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A segunda linha Maginot

ROBERTO CAMPOS

"As promessas do candidato são o sepulcro do estadista"
Winston Churchill

Com a vitória dos socialistas nas eleições de 29 de maio, os franceses estão construindo uma segunda linha Maginot. Não é mais uma linha Maginot militar para defender as fronteiras contra invasões alemãs, e sim uma Maginot econômica, visando criar barreiras contra os vendavais da globalização capitalista.
A primeira Maginot fracassou face aos batalhões hitleristas que, com a "guerra de movimento" de tanques e aviões, tornaram obsoleta a "guerra de trincheiras".
Os imperativos da competitividade e eficiência, num cenário de revolução tecnológica, tornam improvável o êxito da segunda linha Maginot para conter a "destruição criadora" representada pela modernização capitalista.
Para o líder socialista Lionel Jospin -que pertence à ala moderada do partido-, as decisões são cabulosas. Apoiou pessoalmente a "grande aposta" de Mitterrand.
Quando da queda do Muro de Berlim, mrs. Thatcher queria uma "entente" anglo-francesa visando retardar a reunificação da Alemanha, pelo reforço que traria à hegemonia econômica desta no continente. O chanceler reconstruiria, por via econômica, o que a Alemanha não conseguira por via militar.
Na visão estratégica de Mitterrand, a reunificação era inevitável, mais cedo ou mais tarde. O curso mais prudente seria a "europeização" da Alemanha pelo aprofundamento da integração continental, passando da integração comercial e financeira à união monetária e política. O melhor antídoto à "germanização" da Europa seria assim a "europeização" da Alemanha.
O grande impulsionador da idéia da moeda única e do Tratado de Maastricht foi o presidente da Comunidade Européia, Jacques Delors, ex-primeiro-ministro do governo socialista de Mitterrand.
A ele, tanto ou mais que ao Bundesbank alemão, deve-se a formulação dos "critérios de convergência", que impõem aos candidatos à participação no "euro" limites de inflação, de déficits orçamentários e de endividamento.
Tudo visando que o "euro" nasça como moeda forte, capaz não só de competir com o dólar e o ien, mas de desbancá-los.
Assim, apesar da pressão de seus aliados comunistas, hostis à integração européia (dos quais, felizmente, não depende, pois pode governar em coalizão com os "verdes"), Jospin não poderá adotar postura abertamente negativa frente à globalização européia.
Abrem-se-lhe duas opções: retardar o calendário de implantação do "euro", previsto para janeiro de 1999, ou flexibilizar as "condições de convergência", num exercício de hermenêutica construtiva em que se avaliem generosamente as "tendências", antes que as realizações.
A condição de mais difícil atendimento é manter o déficit público no teto de 3% do PIB, hoje excedido tanto pela França como pela Alemanha.
Isso exigiria da França um corte de despesas públicas de US$ 10 bilhões, num momento de grande desemprego. Chirac buscava abrandar o choque usando a receita de privatização da Telecom.
Na própria Alemanha, abriu-se uma controvérsia entre o Ministério das Finanças e o Bundesbank. Aquele propôs um artifício -revalorização das reservas de ouro- que seriam contabilizadas como receita extra do Tesouro.
O Bundesbank acha que esse artificialismo quebraria o padrão de austeridade necessário para convencer os alemães a abandonarem o marco forte por um "euro" relaxado...
O paradoxo atual é que os dois países que não alardeavam puritanismo em matéria inflacionária, o Reino Unido e a Espanha, estão mais próximos de realizar os critérios de convergência do que os dois protagonistas principais do acordo de Maastrich, a França e a Alemanha.
Um outro paradoxo é que o líder trabalhista inglês Tony Blair responde à pressão comunitária para adoção da "Carta Social" com uma contraproposta de flexibilização da política salarial em toda a Europa, a fim de conter o desemprego.
A desvantagem da França é não ter feito ao longo dos anos 80 as reformas liberalizantes e privatizantes que mrs. Thatcher fez no Reino Unido. Este ganhou competitividade, ascendendo nas tabelas do World Economic Forum para a sétima posição, enquanto a França deslizou para a 25ª posição no confronto mundial de competitividade.
A outra diferença é que os conservadores ingleses, em 18 anos de governo, lograram promover uma verdadeira "revolução cultural", cujos princípios foram absorvidos, ainda que relutantemente, pelo neotrabalhismo.
Na França, a direita alcançou sob Chirac uma vasta maioria parlamentar, mas não conseguiu promover uma "revolução de eficiência"-o estatismo e o corporativismo continuam robustos, e as reformas previdenciárias foram insuficientes para resolver o dilema entre a relutância do contribuinte em aceitar encargos e os reclamos assistenciais de uma população em rápido envelhecimento.
As promessas de campanha de Jospin foram inquietantes, revelando a tradicional propensão dos socialistas a serem "inquilinos da utopia".
No dizer do jornalista John Lichfield, equivalem a "preservar a moeda única, mas abrandar as diretrizes de Maastrich; gerar 700 mil empregos subsidiados, mas sem elevar os impostos totais; reduzir os impostos sobre alguns produtos e os encargos sociais das empresas, mas abrandar as reformas previdenciárias e manter as estatais".
Em suma, os socialistas querem um "euro" sem austeridade. Precisamente o que receiam os alemães. Não há sinais de que os socialistas franceses aceitem um diagnóstico realista da "maladie française", identificando como componentes fundamentais do desemprego a excessiva carga fiscal, o salário mínimo alto e os encargos previdenciários que oneram as empresas.
Nem de que reconheçam que o "étatisme" francês é um inibidor do avanço tecnológico, pois os dinossauros estatais não têm flexibilidade para as fusões e incorporações necessárias à absorção de novas tecnologias.
Até o momento, Jospin não deu indicações de que pretende cancelar (e sim apenas retardar) a privatização da Telecom, da Thompson (cobiçada pelos coreanos) e da Air France. Seu novo gabinete inclui, num confuso pluralismo democrático, comunistas, feministas e "verdes".
Não se conhecem as qualificações dos ministros comunistas, mas, se forem fiéis à ideologia, serão técnicos em "implosão".
Os comunistas sempre souberam chacoalhar as árvores para apanhar no chão os frutos. O que não sabem é plantá-las...
Jospin tem menos tempo para errar do que Mitterrand. Este, no biênio 1981/1983, fez uma farra na execução do "programa conjunto" dos partidos socialista e comunista, estatizando bancos e empresas e aumentando o funcionalismo e os gastos públicos no afã de gerar empregos.
Os resultados foram a fuga de capitais, a desvalorização do franco e, finalmente, a substituição do "programa comum" por medidas macroeconômicas austeras.
É possível que o mesmo aconteça a Jospin. Levará algum tempo até que os franceses reconheçam que a segunda linha Maginot, contra a globalização econômica, não terá mais êxito do que a primeira Maginot contra a "guerra de movimento".

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