São Paulo, domingo, 8 de junho de 1997
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A missão da imprensa

LUÍS NASSIF

Em 1995, um dos maiores grupos nacionais decidiu ouvir sua diretoria para definir a chamada "missão" da empresa. Ou seja, o conjunto de objetivos que mais satisfizessem o conjunto da empresa.
Um executivo foi particularmente incisivo na discussão -gravada em vídeo e que, hoje, é utilizado como exemplo para os novos funcionários. A busca do lucro não me entusiasma, dizia ele. A transformação da realidade, o aprimoramento da comunidade e o engrandecimento do país, sim. A missão era essa. O lucro, o meio para alcançar esses objetivos, o prêmio, que viria naturalmente caso os objetivos fossem alcançados.
Hoje em dia, toda empresa moderna tem que ter uma "missão" clara, sintética, que oriente suas ações e conquiste coração e mente de seus funcionários e clientes.
Se se fosse aplicar esse princípio para a mídia, qual seria a sua "missão"? Denunciar escândalos? Provavelmente, não.
Os escândalos têm papel didático relevante. Ajudam a trazer à tona pontos duvidosos, remover resistências, permitir mudanças. Mas tem que ser meio, não fim.
Se o escândalo vira fim em si mesmo, passa para o leitor mensagens contraditórias sobre as intenções da imprensa. Para uns, ela estará exercendo o papel de controle que se espera de toda mídia. Para outros, apenas procura aumentar a venda de jornais ou a audiência de programas.
A legitimidade das intenções da imprensa é posta em dúvida. Seu papel mais nobre -o de controle dos interesses difusos da sociedade- é confundido por parte do público com simples mercantilismo.
Pior, a não clareza sobre a missão interferirá nas ações dos jornalistas. Estimulará sentimentos oportunistas, o vale-tudo.
Meios e fins
Como fazer, então? Abrir mão do escândalo, significaria abrir mão do papel de controle da sociedade.
A saída é considerar -corretamente- o escândalo como meio. A missão é algo bem mais nobre. Uma ampla discussão sobre a missão da imprensa levantaria uma série de conceitos:
* promover o desenvolvimento político, institucional e social do país;
* representar os interesses difusos da sociedade, dos grupos não organizados, contra toda forma de poder organizado, do governo aos demais setores organizados da sociedade;
* estabelecer o controle da opinião pública sobre toda forma de poder político e econômico do país;
* estar permanentemente de rabo preso com o leitor, e aí por diante.
O furo, a denúncia, o escândalo, a capacidade técnica seriam meios de se atingir aqueles fins.
Soluções
Objetivamente, em que alteraria essa obsessão por escândalos que faz parte dos objetivos de toda imprensa moderna, nacional ou internacional?
Os escândalos continuariam a ser divulgados, com maior ou menor competência. Mas cada escândalo estaria firmemente ancorado em análises claras sobre suas causas mais profundas, e o conjunto de medidas necessárias para erradicar de vez da vida nacional os problemas denunciados.
A busca do escândalo não visaria apenas promover a catarse da opinião pública ou uma eventual caça às bruxas, mas mudanças objetivas na realidade, perceptíveis para o conjunto dos leitores.
Em vez do desalento de tomar contato com um escândalo por dia, que é varrido para debaixo do tapete à mera eclosão do escândalo seguinte, os leitores teriam a sensação de um processo de construção nacional.
Cada escândalo seria o sinal de mais um problema que foi detectado e está sendo resolvido, dentro do processo gradativo de aprimoramento que marca as sociedades democráticas.
O escândalo dos precatórios, além das denúncias e dos pedidos de punição, resultaria em uma série de propostas objetivas, visando corrigir distorções nos mercados financeiro e cambial, na área fiscal, no controle das dívidas estaduais etc.
O escândalo dos votos seria acompanhado de propostas objetivas de mudança no processo eleitoral e nas formas de financiamento das campanhas eleitorais. E assim por diante.
Essas preocupações reforçariam o papel da imprensa, como principal agente de regulação em uma economia democrática de mercado. E confeririam aos jornalistas, além da preocupação de perseguir um escândalo por dia, a responsabilidade de se sentirem participantes do grande projeto de construção nacional.

Email: lnassif@uol.com.br

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