São Paulo, domingo, 8 de junho de 1997
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"Sempre procurei aprender tentando ensinar"

DA REDAÇÃO

Para o pesquisador e jornalista científico José Reis, a "experiência diz que a ciência divulgada no jornal encontra muitos consumidores que a ela não teriam acesso". Leia, a seguir, a entrevista concedida à Folha por escrito.
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Folha - O sr. poderia fazer um balanço de sua trajetória como divulgador de ciência e como cientista?
José Reis -Minha trajetória como divulgador científico começou com a minha trajetória científica, ou logo depois. Eu procurava atingir as populações rurais com o relato das minhas experiências no campo e no laboratório. Daí resultou um primeiro livro elementar. Continuei essa atividade por muitos anos escrevendo em revistas.
Na década de 40, Octavio Frias de Oliveira me apresentou ao dr. Nabatino, que era diretor da Folha e me convidou para escrever sobre assuntos vários na "Folha da Manhã" e na "Folha da Noite". Depois restringi minha atividade à divulgação científica. Eu dispunha de página inteira e, posteriormente, de meio caderno aos domingos (seção "No Mundo da Ciência").
Nessa época, tive a satisfação de desencadear o movimento "Educação é Investimento" e, com o Ibecc (Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura, órgão da Unesco), os de feiras de ciência, clubes de ciência, concursos Cientistas de Amanhã. Com o tempo, o espaço diminuiu e hoje se acha reduzido ao "Periscópio", trabalho de muita pesquisa, no qual continuo procurando dar relance das principais experiências científicas.
Meu trabalho científico concentrou-se na bacteriologia e no estudo dos vírus, especialmente em relação às doenças das aves. Esse estudo me levou a publicar o "Tratado de Ornitopatologia", que foi muito bem recebido em todo o mundo, seguido de obras menores de divulgação. Nesse período estagiei nos Estados Unidos, na Universidade Rockefeller.
Aposentei-me como pesquisador em 58 e passei a exercer apenas a divulgação científica. Uma das maiores recompensas de minhas atividades foi ter sempre procurado aprender, tentando ensinar.
Mas, já tive ocasião de salientar que, quando se atinge o que se convencionou chamar de idade provecta, na qual o médico vai discretamente explicando que este ou aquele achaque são próprios dela ("Se tudo o mais renova, isto é sem cura!"), se começa, naturalmente, a meditar com algum ceticismo sobre a utilidade de quanto se realizou e pretende realizar.
Instala-se a filosofia do para quê, especialmente em país onde o hábito é a desmemória, o continuado destruir para recomeçar o que já se iniciara, o eterno desencontro de bitolas. Respondendo ao para quê a respeito de meus esforços de vulgarizador: não os considero perdidos nem vãos, mas deles colho tanta satisfação quanto da ciência mesma, talvez até mais, porque nesta muitos outros se empenhavam, ao passo que naquela eu era, com alguns poucos, lobo solitário.
Antes do reconhecimento oficial veio-me o do público e dos colegas. É indizível o que encontrei de apoio em criadores modestos e leitores dos mais diversos escalões intelectuais. O que me pergunto é se fiz tudo o que poderia ter realizado. Entristece-me pensar no que deixei de empreender, por falta de ânimo ou de capacidade.
Folha - Como o senhor vê hoje a divulgação científica?
Reis- Considero a divulgação científica brasileira de muito bom nível, especialmente nos tempos modernos. Tende a se espalhar.
Os jornais dedicam hoje muito mais espaço à divulgação científica do que antes, tanto no exterior como no Brasil. Acho que progredimos com o aparecimento de vários outros divulgadores de valor, o que se reflete muito bem na Folha.
Já tive oportunidade de observar antes que um conhecido divulgador inglês, Maurice Goldsmith, hoje quase exclusivamente preocupado com os problemas mundiais de política da ciência, de que trata na revista "Science and Public Policy", proclamou que a popularização da ciência, com objetivo de fazer chegar ao público esclarecimentos sobre as atividades científicas, perdeu sentido no mundo atual, que por tantos meios enseja ao cidadão comum sentir o progresso da ciência.
Em lugar desse tipo de popularização, o que importaria hoje fazer seria a promoção do debate em torno das implicações sociais, políticas e econômicas do progresso científico, mobilizando para isso uma classe que a divulgação geral tem mobilizado pouco, os cientistas sociais.
Não disse novidade Goldsmith, pois em mensagem que enviei ao 1º Congresso Iberoamericano (Caracas), já salientara a imperiosa necessidade desse tipo de ação, que deve acordar o público e os cientistas para as responsabilidades que a ciência acarreta para uns e outros. Impossível, porém, aceitar a conclusão de Goldsmith, que aliás reconhece seu exagero. Pelo menos nos países que se acham em estado de desenvolvimento como o nosso, a experiência diz que a ciência divulgada pelo jornal encontra muitos consumidores que a ela não teriam fácil acesso.
Folha - O sr. poderia citar um momento pitoresco em sua carreira como cientista e divulgador?
Reis - Momentos pitorescos, houve diversos nas duas áreas. Na divulgação, por exemplo, muitas cartas tratando de problemas pessoais inspirados em trabalho de divulgação ajudaram muita gente a resolver tais problemas.
Folha - Como o sr. vê notícias sobre a clonagem da ovelha Dolly, a possibilidade de existência de vida em Marte e as perspectivas de tratamento contra a Aids?
Reis- Vejo como progressos naturais da ciência, um pouco exagerados pelo noticiário.

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