São Paulo, domingo, 8 de junho de 1997
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Indonésia culpa Lisboa por crise em Timor

JAIME SPITZCOVSKY
ENVIADO ESPECIAL A JACARTA

Portugal e independentistas de Timor Leste, ao propor que uma votação da população local decida o futuro da região em disputa, buscam ditar suas condições à Indonésia, o que é inaceitável, afirma Ali Alatas, o ministro das Relações Exteriores da Indonésia.
Para Alatas, não fazer um plebiscito sobre o futuro da ex-colônia portuguesa, invadida e anexada nos anos 70, é uma questão de "orgulho nacional".
O chanceler também rejeita a idéia de "invasão" e afirma que as tropas da Indonésia foram "a pedido da população local". A ação não foi reconhecida pela ONU.
Uma resistência armada e política se formou contra a ocupação indonésia, na qual o uso do idioma português -reprimido pelas autoridades- é considerado uma arma contra o governo de Jacarta.
Na resistência se destacam Xanana Gusmão, que cumpre pena de prisão, o bispo de Dili (capital da região), d. Carlos Ximenes Belo, e o líder exilado José Ramos-Horta.
Os dois últimos receberam o Prêmio Nobel da Paz do ano passado, o que trouxe força à campanha pela independência do território. Quando foi invadida, no final de 1975, a colônia vivia o seu processo de independência.
Alatas dispara mais farpas contra Lisboa. Aponta a "descolonização caótica" de Portugal como origem de uma disputa entre tropas da Indonésia e os independentistas de Timor Leste. O conflito, segundo entidades pró-direitos humanos, já deixou mais de 200 mil mortos.
Em entrevista exclusiva, concedida na última quinta-feira em seu gabinete em Jacarta, Ali Alatas, 64, admite violações de direitos humanos, mas afirma que as acusações contra a Indonésia "são um grande exagero", parte de uma campanha que "busca dar a pior imagem possível" ao país.
*
Folha - Qual a solução para a questão de Timor Leste?
Ali Alatas - Muita gente se esqueceu da origem do conflito ou simplesmente desconhece os fatos. A essência do problema de Timor Leste é um processo de descolonização que fracassou.
Os portugueses colonizaram por 400 anos metade de uma ilha, no meio de 17 mil ilhas sob controle holandês. Quando proclamamos nossa independência, em 1945, não reivindicamos essa parte.
Mas Portugal fez do processo de descolonização um caos, assim como em Angola e Moçambique. Até hoje tentamos arrumar esse caos. Não estou acusando o atual governo português, mas de qualquer forma foi Portugal quem promoveu uma descolonização caótica.
Em Timor Leste foi o mesmo. Tentaram apoiar um grupo contra outro, inclusive fornecendo armas, e assim uma guerra civil começou. Então os portugueses deixaram a região. O grupo que chegou ao poder não era apoiado pelos portugueses. O grupo esquerdista perdeu, e eles não aceitaram a derrota, dizendo que houve uma invasão da Indonésia, ocupação.
Nem estávamos lá quando eles partiram, em agosto de 1975. A guerra civil começou. Em novembro daquele ano, houve um encontro em Roma, no qual estive, e pedimos a eles que voltassem.
Um país que quer absorver metade de uma ilha faria isso? Mas a maioria da população local queria voltar para a Indonésia, depois de 400 anos de colonização. É tão absurdo que a população queira se reunir com seus irmãos e irmãs da outra metade da ilha? A maioria da população pediu a integração.
Folha - Houve votação para verificar a vontade da população?
Alatas - Naquela época não havia um sistema "um homem, um voto". Mas consultamos os líderes locais e eles disseram que sim.
Folha - Como o sr. explica a resistência às tropas da Indonésia?
Alatas - Até hoje, a questão sobrevive na ONU, porque os portugueses não querem encontrar uma solução. Não me pergunte a razão. E uma pequena minoria foi para as montanhas. São apenas cerca de 200, que às vezes matam, atacam, coisas pequenas, não uma guerra.
Outra parte foi para a Austrália e Portugal, de onde fazem agitação e campanhas políticas.
Folha - Por que a Indonésia não aceita um plebiscito?
Alatas - Quando houve a descolonização, sabíamos que a maioria queria um plebiscito. Mas a Fretilin (Frente Revolucionária de Timor Leste Independente), o grupo esquerdista, e José Ramos-Horta se opuseram à idéia. Agora, repentinamente, dizem que são a favor. E agora nós dizemos não. Deve existir algo chamado orgulho, orgulho nacional. Eles não podem simplesmente brincar conosco. Ditar para nós o que eles querem.
Folha - Qual a sua avaliação sobre uma possível saída? Independência, mais autonomia para Timor Leste ou outra alternativa?
Alatas - Por que o sr. não faz essa pergunta para Portugal? Tivemos muitos encontros na ONU. Estamos sempre querendo uma solução. A Indonésia se mostrou flexível, e Portugal, inflexível.
Folha - A Indonésia é acusada de promover graves violações de direitos humanos em Timor Leste.
Alatas - Essas acusações são resultado de grandes exageros. Há problemas nessa área de direitos humanos, como há em todos os países em desenvolvimento ou em áreas de conflito. O objetivo dessas acusações é dar à Indonésia a pior imagem possível. Essa é a campanha de Ramos-Horta, que tem muito talento para essa atividade.
Folha - Por que o Nobel foi dado a Ramos-Horta e ao bispo Belo?
Ali Alatas - Não sei. Achamos uma escolha muito estranha, especialmente Ramos-Horta -ele não é um homem de paz.

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