São Paulo, domingo, 8 de junho de 1997
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O MERCADO DO BEM-ESTAR

Tornar compatíveis a economia de mercado e a redução das desigualdades sociais continua sendo o desafio político mais importante deste final de século. A grande mudança dos últimos dez anos, entretanto, foi a nova percepção ideológica, lado a lado com a constatação prática, de que o Estado não tem condições de responder à nova conformação da crise social, pelo menos segundo a receita que começou a ser pensada e adotada nas economias industriais a partir da década de 30, implementada com mais intensidade no pós-guerra -o "Welfare State", ou Estado de Bem-Estar Social.
Aliás, a crise do financiamento desse sistema tornou-se ainda mais vigorosa precisamente nos países europeus que adotaram esse modelo de proteção social, fruto tanto do esgotamento de um modelo de capitalismo como da pressão dos movimentos de trabalhadores.
O Brasil, como outras sociedades ditas em desenvolvimento, nunca chegou a experimentar um "Welfare State" e, na prática, o desenvolvimento econômico fez-se acompanhar de desigualdades sociais, setoriais e regionais crescentes, embora impulsionado, a partir de meados deste século, por um Estado que, além de investir na estruturação da economia, implementou a primeira legislação social ampla do país.
Mas a própria intervenção estatal concorreu para a manutenção da desigualdade, desta vez numa economia que estava se modernizando.
Ademais, o sistema de proteção social implantado pelo Estado brasileiro era de cunho marcadamente paternalista. Várias dessas deficiências foram agravadas depois da primeira grande crise do modelo desenvolvimentista, nos anos 60.
Durante a reformulação desse modelo, que conduziu ao "milagre econômico" dos anos 70, o descaso com o social foi justificado em nome da "teoria do bolo": era preciso primeiro deixar o bolo crescer -o volume da riqueza nacional-, para depois, e só então, distribuí-lo.
Mas, diante da crise de um sistema do qual o país nem ao menos chegou a se beneficiar, o do "Welfare State", e, mais especificamente, da própria e prolongada crise fiscal do Estado brasileiro, o desafio tornou-se ainda muito maior.
Além de a dívida social ter aumentado, sem que o Estado tenha as condições de resgatá-la, o próprio crescimento econômico, uma das condições necessárias para tentar reduzi-la, é agora baixo demais.
Não há mais Estado forte nem "milagre" no crescimento. E as condições de vida da maioria dos brasileiros vão-se agravando.
Entretanto, há soluções possíveis que aos poucos vêm à luz. A mais fundamental talvez seja a privatização do sistema de "Welfare" (sobretudo a previdência social).
Um sistema de previdência é, em primeiro lugar, um mecanismo de poupança de longo prazo. Fomentar a privatização da previdência significaria, dessa forma, criar uma perspectiva de satisfação de carências sociais que venha a depender cada vez menos de uma eventual disponibilidade de recursos oficiais.
Ao mesmo tempo, a formação de poupança privada de longo prazo é uma das condições essenciais para que os investimentos produtivos contem com fontes domésticas de financiamento, em geral mais estáveis que o endividamento externo.
O interesse por novas formas de poupança previdenciária privada tem crescido não apenas entre as instituições financeiras, mas entre os próprios sindicatos. Tanto a esquerdista Central Única dos Trabalhadores quanto a Força Sindical vêm apresentando propostas inovadoras de gestão de fundos sociais, que incluem a participação dos trabalhadores nos resultados dessas privatizações.
O bem-estar social é um desafio que não pode ser varrido para debaixo do tapete, como se fez ao longo da história brasileira. Se já não é possível contar com o paternalismo estatal para gerar um "Welfare State", é urgente criar meios para que no próprio mercado haja mais espaço para a expansão de fundos sociais.
O "welfare market", ou "mercado do bem-estar", é viável e ajudaria a resolver, ao mesmo tempo, o problema social e o de financiamento do investimento, ou seja, da ampliação da produção e do emprego.

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