São Paulo, domingo, 8 de junho de 1997
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Futebol primata, mesa-redonda selvagem

FERNANDO DE BARROS E SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Como quase tudo que acontece aos domingos, a TV também se idiotiza um pouco mais nesse dia. O domingo é, por definição, a ocasião da semana em que o grotesco sai da toca e vai às ruas.
Alguns exemplos, colhidos um pouco a esmo: a mocinha fantasiada de palhaço que distribui folhetos do último lançamento imobiliário nos sinais de trânsito; o executivo que veste seu chinelo e arregaça as mangas para lavar o carro; o casal que passeia no parque acompanhado do cachorro; a família que vai reunida conhecer as emas no Simba Safari; o almoço na sogra; as filas intermináveis para o filme do Oscar; os passeios pelo shopping cobiçando vitrines fechadas; a pizza meia mussarela e meia calabresa depois do "Fantástico" -tudo, enfim, parece ser comicamente triste aos domingos.
A TV segue o mesmo compasso -é sintoma e termômetro desse blecaute generalizado. Programas como os do Faustão, Silvio Santos e Gugu Liberato continuam imbatíveis pela quantidade de bananas que oferecem ao auditório.
O seu equivalente esportivo é o "Show do Esporte", a quermesse eletrônica que atravessa o dia todo na Bandeirantes. Há poucas coisas mais ofensivas do que o sorriso engessado que Elia Jr. exibe sempre igual para aliciar telespectadores incautos prometendo-lhes "din-din" em sorteios duvidosos.
Sua figura condensa o que há de mais crédulo num escoteiro e o que há de mais perverso no cálculo de um jovem que acabou de aprender a ganhar dinheiro no mercado financeiro. Decalque e discípulo fiel de Luciano do Valle, Elia Jr. forma com esse uma espécie de "Laurel and Hardy" do esporte brasileiro.
Perto desse tipo de camelôs "up-to-date" disfarçados de jornalistas, os personagens do "Mesa-Redonda - Futebol Debate" surgem na tela como se fossem dinossauros inofensivos, seres pitorescos, quase museológicos.
A maneira enérgica, espumante e engajada com que Roberto Avallone e seus súditos e convidados duelam no ar a respeito de picuinhas e politicalhas esportivas não deixa de ser divertida pelo que tem de surreal e descabida. O descompasso entre a ênfase de cada frase e o acerto de seu conteúdo cria um clima ridículo que é todo particular. Tudo ali assume ares cômicos.
O noticiário confunde-se com a propaganda, a revendedora de automóveis com o gol da rodada, a cantina "rrrrequintada" dos Jardins com o esquema tático que fracassou, o craque da semana com a empresa 100% brasileira.
O sucesso do "Mesa-Redonda", líder de audiência e de prestígio no gênero, deve-se sobretudo aos seus defeitos, ao que o programa tem ao mesmo tempo de anacrônico, de amadorístico, de subdesenvolvido. É um programa que mimetiza o que há de mais primitivo e irracional no futebol.
Avallone e companhia nos divertem tanto com sua selvageria involuntária que, zapeando de vez em quando para o "Cartão Verde", corremos o risco de achar que Flávio Prado e Juca Kfouri (José Trajano que me perdoe) são os novos apresentadores do programa mais sisudo que um dia já passou pela TV brasileira -o extinto "Crítica & Autocrítica".

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