São Paulo, terça-feira, 10 de junho de 1997
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A polícia, a cultura e a sociedade

DRÁUSIO BARRETO

A sociedade paulista se debruça sobre um tema adormecido desde o governo Montoro: a filosofia da política policial. Na época, o país vivia os estertores do regime militar, mas o clima de recuperação da cidadania civil propiciava o debate sobre os direitos humanos.
Muitas discussões terminaram emaranhadas por ideologias de esquerda e direita, enquanto o aparato policial merecia um tratamento técnico, calcado numa filosofia mais humanista. Os tempos de democracia sepultaram abusos policiais em nome de uma convivência social orientada pela conveniência harmoniosa. Mas não houve a redefinição do papel social dentro da sociedade recém-saída de um período de arbítrio do aparato policial que desempenhou múltiplos personagens nos anos de chumbo.
Não se sinalizou à tropa a mudança de comando, portanto, de estilo e filosofia. É preciso discutir o que é cultura policial no Brasil, é preciso que se lembre que a maior parte dessa imensa tropa militar ou civil é oriunda das classes mais baixas, criada no ambiente violento da periferia das cidades. Profissão vista muito mais como sobrevivência do que vocação, em sua maioria os futuros policiais têm somente o 1º grau de instrução.
A mentalidade policial, salvo exceções, vem seguindo a orientação de um policiamento repressivo. Poucos comandos passaram à tropa uma visão diferente da sociedade, encarando-a como um alvo a ser protegido, não reprimido. Não houve humanização do corpo policial. Aos olhos da imensa população, polícia é sinônimo de "blitz", de violência e de contravenção.
A ação lenta e quase ineficaz da Justiça brasileira, morosa, não tem sido parceira da democracia ao agir com rapidez apenas no julgamento de "ladrões de galinhas".
Um bandido preso e solto logo depois, em razão de artimanhas jurídicas, desanima o soldado que trabalha no policiamento das ruas. "A polícia prende; a Justiça solta": fixa-se o caráter da impunidade. Leis aos borbotões, lentidão dos julgamentos, protelações à mão dos advogados. A Justiça brasileira deve se modernizar, voltar a cumprir eficazmente seu papel constitucional, como parceira da sociedade, não sua algoz.
O governo estadual deve procurar ainda resolver logo o atual caos penitenciário, por meio de parcerias com outros poderes ou em associação com a iniciativa privada.
Não é possível que a polícia prenda, a Justiça puna e o Estado não possua capacidade de abrigar os condenados. Que tragédias como a de Diadema sirvam para que se resolva a questão de maneira séria, antes que surjam soluções demagógicas capazes de somente maquiar a doença.

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