São Paulo, terça-feira, 10 de junho de 1997
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Bratke 'engana' público em recitais

Pianista se apresenta com Sinfônica Municipal

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

Depois da pausa necessária para a montagem da ópera "Un Ballo in Maschera", a Sinfônica Municipal retoma, neste próximo domingo, a série de 17 programas em 35 récitas de sua temporada de 1997.
A programação de junho começa com peças de Mozart, Nepomuceno, Massenet e Karlowicz. A orquestra será regida por Luiz Fernando Malheiro, e os solistas serão Marcelo Bratke (piano) e Rosana Lamossa (soprano), a Violetta na montagem da "Traviata" do ano passado, no mesmo Municipal.
No programa seguinte, o maestro israelense de origem argentina Yeruham Scharovski trará Mendelssohn e Tchaikovski, e mais a "Fantasia para Piano e Orquestra" de Franz Schubert, interpretada por Amaral Vieira (piano).
Ainda em junho, a Sinfônica Municipal será regida por Karl Martin, suíço e atual diretor da Ópera de Palermo (Itália). No programa, Schubert, Brahms e o "Concerto para Piano e Orquestra nº 3" de Beethoven, tendo como solista o pianista brasileiro, radicado na Inglaterra, Jean Louis Steuerman.
Para todos os concertos do Municipal, os ingressos variam de R$ 2 a R$ 8.
Marcelo Bratke, solista nos dias 13 e 15, disse à Folha que, em recitais solo, gosta de "enganar o público", mas no bom sentido: atraí-lo por um tipo de música que depois será colocado em oposição a uma amostragem de música diferente. Exemplos: o barroco William Byrd e o contemporâneo John Cage, Ernesto Nazareth e Koellreutter.
*
Folha - O sr. acredita já haver no Brasil uma "indústria de concerto" capaz de segurar bons músicos?
Marcelo Bratke - A situação melhorou muito. Há ainda uma centralização grande das atividades em São Paulo e no Rio. Mas há um retorno financeiro muito mais gratificante que há alguns anos.
Folha - E quanto ao repertório?
Bratke - É preciso mobilizar um pouco de idealismo, de didatismo. Em muitos lugares, o público ainda está engatinhando.
Folha - Mas quando se trata de um repertório do século 19 -como sonatas de Beethoven a Brahms- já há um referencial harmônico.
Bratke - O romantismo chegou mais próximo das pessoas justamente por transportar um "eu" exacerbado, levado às últimas consequências. Todo mundo entende essa música porque ela trata de cada um de nós. Mas o que eu gosto de fazer, mesmo, é "enganar o público", no bom sentido.
Folha - Como assim?
Bratke - Gosto de atrair as pessoas por esse lado, um convite para que todos venham se olhar no espelho, e mostrar em seguida alguma coisa contrária, que crie uma relação de diálogo, de ambiguidade quanto ao que é novo.
Folha - Dê um exemplo.
Bratke - Considero-me um "curador de idéias". Dá prazer começar um recital com William Byrd (compositor barroco inglês) e depois passar para John Cage (um ousado contemporâneo).
Folha - E o que chocaria de verdade? Talvez o Ernst Krenek (compositor austríaco deste século, de quem Bratke está gravando a integral de peças para piano)?
Bratke - A observação do Krenek é multidirecional. Mas eu não quero propriamente "chocar". Se eu coloco Bach perto de Webern, o dodecafônico, o contraponto de Bach, que é direcional, entra em contato com o contraponto multidirecional de Webern.
Folha - Mas o público entende?
Bratke - O público sente.
Folha - O sr. já teve algum problema de rejeição de alguma peça pelo público brasileiro?
Bratke - Senti uma vez uma estranheza, num recital que se chamava "O Piano de Nazareth, Villa-Lobos e Tom Jobim". No bis, toquei uma peça de Koellreutter, que foi professor do Jobim. Alguns acharam um "antibis".
Folha - Nos anos 70, Ernesto Nazareth voltou à tona pelas mãos do piano de Arthur Moreira Lima, que foi seu professor. O seu Nazareth é muito diferente. Foi porque houve a intermediação de Koellreutter, com quem também o sr. estudou?
Bratke - Foi uma reação ao professor, quando a gente quer tentar alguma coisa diferente dele. Mas houve no fundo também a influência do Koellreutter.
Folha - Como está sua agenda, na Europa, a partir de setembro?
Bratke - Eu devo gravar em Londres um disco para a Warner, com o pianista de jazz Julian Joseph. O CD se chamará "Linha Imaginária", que é essa curiosidade que separa o jazz da música erudita do século 20.
Folha - Praticamente todos os pianistas foram crianças-prodígio, mas não o sr. Isso ajudou ou atrapalhou sua carreira?
Bratke - A vantagem: eu passei uma infância bem no meio da rua, sem um comportamento específico por ser músico. Desvantagem: eu comecei tarde, mas já entrei cedo no roteiro dos concertos. Comecei a estudar com 14 anos e aos 16 já me apresentava profissionalmente. Talvez não estivesse maduro para enfrentar essa maratona.

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