São Paulo, quarta-feira, 11 de junho de 1997
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Expedientes

ANTONIO DELFIM NETTO

Lentamente, debaixo da pressão causada pelo déficit comercial, o governo vai mudando sua retórica e sua política. Até agora, a insistência tinha sido na direção de reduzir o "custo Brasil" aumentando a produtividade de todo o sistema econômico.
Houve, também, um esforço para corrigir alguns dos equívocos introduzidos na Constituição, como a isenção ou o crédito do ICMS para as exportações, ainda não completado, mas já claramente sentido nas exportações de soja, por exemplo. Outro ponto importante foi a recente ampliação da possibilidade de os exportadores se creditarem do Cofins e do PIS em qualquer imposto federal.
Há ainda muita coisa a aperfeiçoar na lei complementar nº 87, de 1996, pois as indústrias cuja produção se destina fortemente ao setor exportador (o caso do café solúvel é um exemplo) acumulam créditos de ICMS que não podem ser aproveitados.
Isso não teria maior importância se não beneficiasse os concorrentes brasileiros que podem importar a matéria-prima nacional, totalmente isenta do ICMS. Estimula-se, assim, a exportação dos produtos com menor valor adicionado. A nossa esperança é que os ministérios econômicos sejam tão atentos quanto foi o Itamaraty no caso do café solúvel e proponham uma solução definitiva para o problema, como, por exemplo, um "drawback" verde e amarelo.
A essas ações na direção correta ameaçam acrescentar-se agora medidas setoriais tópicas, como o atraso na expedição de autorização para importar máquinas; baixa de alíquota para importação de insumos e aumento de tarifas para produtos acabados, o que eleva dramaticamente as tarifas efetivas; linhas de crédito subsidiadas do BNDES, que está longe de poder generalizá-las para as pequenas e médias empresas; seleção de setores com "déficit na balança comercial" para reduzi-lo etc.
No Brasil, as pequenas e médias representam 80% das empresas exportadoras, com apenas 4% da exportação, contra mais 50% na Alemanha e Coréia. A mecânica desses benefícios "particulares" nega a filosofia da abertura e aumenta a ineficiência.
O governo revela-se "surpreendido" com o fato de que a pauta das exportações brasileiras não se tem diversificado na direção dos produtos cujas demandas são elásticas com relação à renda e aos preços. Na produção de semicondutores, por exemplo, fomos excluídos pela anorexia exportadora na Nova República, com seus três congelamentos de câmbio.
A explicação é relativamente simples: a exportação de hoje é resultado dos investimentos no setor feitos há dois ou três anos e reflete a perspectiva de lucro então vigente.
Começamos a trilhar o caminho do expediente equivocado, tentando resolver com medidas microeconômicas o que é um problema macroeconômico. O déficit comercial reflete a disparidade entre dispêndio e rendimento, e não uma falha do mercado exportador. Ele não pode, portanto, ser resolvido apenas com política industrial ou comercial, ou com restrições à importação. Ele só pode sê-lo com uma combinação de redução da demanda governamental acompanhada de modificação dos preços dos bens exportáveis com relação aos não-exportáveis produzida pelo mercado, ou seja, pela flutuação cambial.

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