São Paulo, quinta-feira, 12 de junho de 1997
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Onda rosa na Europa... e no Brasil

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Como não poderia deixar de acontecer, a vitória dos socialistas na França vem repercutindo intensamente, inclusive aqui no Brasil. É encarada como parte importante de uma "onda rosa" que está tomando conta de quase toda a União Européia, onde a esmagadora maioria dos países tem agora governos liderados por partidos socialistas ou social-democratas, ou com forte participação deles.
Essa tal "onda" é tão forte que já começam a aparecer adesões e até candidatos a precursores. O presidente Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, declarou que "a onda rosa, se a quisermos chamar assim, começou aqui no Brasil. (...) Desde janeiro de 1995, temos um governo de inclusão social" ("Jornal do Brasil", 8 de junho, pág. 5).
Cito fonte, data e página para que vocês não imaginem que estou inventando alguma piada. A piada é do próprio presidente, que resolveu, na certa, exercitar seu fino senso de ironia. A única coisa rosa que apareceu em seu governo foi aquela famosa pasta do Banco Econômico. Quem vive aos beijos e abraços com ACM e o PFL não pode pleitear, seriamente, a condição de pioneiro da "onda rosa". Como disse o brasilianista Thomas Skidmore, em entrevista à "Gazeta Mercantil", "as idéias de FHC são as idéias do PFL".
No entanto, vejam vocês como são as coisas. Ainda há esperança. O mesmo "Jornal do Brasil" informa que também o PFL está vivendo a síndrome da "onda rosa" e já trabalha para modificar o nome do partido para Partido Social Liberal -PSL. "É simples", explicou o líder do PFL, o deputado Inocêncio Oliveira, "de pefelê para peselê. É o reflexo Tony Blair e Lionel Jospin".
Mas vamos deixar de lado as comédias da política nacional e tratar um pouco da Europa. Sei que não é um tema que entusiasme o leitor brasileiro. O nosso horizonte internacional termina, em geral, em Miami e alcança, quando muito, Nova York. Para nós, a Europa não é mais do que uma vaga referência.
É sintomático que tenham sido necessárias as vitórias do Partido Trabalhista na Inglaterra e do Partido Socialista na França para que os meios de comunicação no Brasil começassem a proclamar o óbvio: o declínio da influência do assim chamado neoliberalismo (que de novo só tem o prefixo) nos países europeus.
Na realidade, essa ideologia extravagante e regressiva, que melhor seria chamar de "paleoliberalismo", já está em decadência há bastante tempo. Mesmo nos seus tempos de glória, quando Margaret Thatcher e Ronald Reagan chegaram ao poder, o "paleoliberalismo" teve menos influência do que geralmente se imagina sobre a política econômica e social da maioria dos países desenvolvidos, particularmente na Europa continental e no Japão.
Uma informação surpreendente, pouco conhecida entre nós, é que nos últimos 15 ou 20 anos a participação do Estado na economia aumentou em quase todos os países da Europa continental. Entre 1978-82 e 1991-95, num conjunto de 13 países dessa região, para os quais a OCDE publica dados regularmente, apenas a Bélgica e a Holanda registraram diminuição da despesa pública (incluindo governos centrais, estaduais e locais) como percentagem do PIB. Do lado da receita, o quadro é o mesmo; só no caso da Bélgica e da Holanda é que se observa queda da relação entre as receitas públicas e o PIB nesse período.
Na Alemanha, por exemplo, a despesa governamental passou de 48% do PIB em 1978-82 para 48,9% em 1991-95; a receita, de 45% para 45,7% do PIB. Na França, no mesmo período, a despesa pública passou de 46,9% para 53%; a receita, de 45,4% para 48,6% do PIB. Na Itália, a despesa aumentou de 44% para 54,1%, e a receita governamental, de 33,7% para 45% do PIB nesse período.
Mesmo na Inglaterra, a influência do "paleoliberalismo" já estava arrefecendo há algum tempo. Como notou estudo do Fundo Monetário Internacional, de autoria de Vito Tanzi e Ludger Schuknecht, "embora a despesa pública na Grã-Bretanha tenha diminuído de quase 45% do PIB em 1983 para 37,5% em 1989, em 1994 essa redução havia sido em grande medida revertida. Transferências e subsídios eram mais altos em 1994 do que no começo das reformas de Thatcher em 1983".
O próprio primeiro-ministro John Major, embora do Partido Conservador, já começara a se desfazer do legado de sua antecessora. Se a diferença entre Major e Blair não é tão grande, isso se deve não só ao abandono por parte do segundo de algumas teses tradicionais do trabalhismo, como também ao fato de que o Partido Conservador já vinha tomando distância das teses políticas de Thatcher.
É verdadeiramente espantoso o grau de desinformação que prevalece sobre essas questões no Brasil. O brasileiro médio, que não tem acesso direto às fontes internacionais de informação, é um pobre-diabo a quem se nega o direito de saber o que acontece, de fato, no resto do mundo.
Na véspera da eleição que elegeria Tony Blair, o principal jornal da televisão brasileira destacou as idéias moderadas do candidato trabalhista e sua suposta adesão à "modernidade" para concluir: "Quem quer que seja o mais votado nas eleições de amanhã, já há um vencedor claro e inequívoco: Margaret Thatcher"...

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