São Paulo, quinta-feira, 12 de junho de 1997
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As férias mais baratas: ficar em casa

DAVID DREW ZINGG
A CAMINHO DA ITÁLIA

"O que seriam os italianos sem alguém com quem se mostrarem italianos?"
(Elizabeth Bowen)

Tio Dave voa muito, porque está em sua natureza -ele é mosquito. Ha, ha, ha.
Hoje estou voando para a Itália, no setor econômico de uma companhia aérea muito brasileira.
Sou um sujeito de sorte, muita sorte. Estou indo para a Itália na companhia de uma Jennifer paulista cool ao extremo, para duas semanas do que, no Exército, costumava ser conhecido como R&R -iniciais de "descanso e recreação", em inglês.
O principal problema que vamos enfrentar hoje é que minha amiga está um pouquinho, só um pouquinho, nervosa. O fato é que ela não acredita que os aviões possam voar realmente -baseada no fato de que são objetos enormes, repletos de pessoas e de inúmeras malas que vão retornar da Itália repletas de valiosas lembranças trazidas pelos turistas brasileiros, tais como pizzas e "pepperonis".
Ela também duvida da capacidade de nosso big boeing se manter no ar, devido ao fato de que está lotado até as asas com quantidades gigantescas de comida de avião. Ela aponta que a comida de avião é uma comida muito pesada, que costuma ser entregue aos passageiros em porções generosas, para mantê-los mastigando daqui até Roma, desse modo evitando que fiquem entediados.
Minha bela companheira está viajando para cobrir uma guerra -ou algo igualmente fascinante- para alguma grande revista brasileira de notícias. Ela está ocupadíssima pensando em coisas divertidas que pode fazer para passar o tempo nas longas e cansativas viagens de avião que fará pela África e Ásia.
Está inventando inteligentes brincadeirinhas de sequestro que poderá fazer com os outros passageiros e a tripulação da cabine -a tripulação da cabine é composta principalmente por "aeromoças", ou, pelo menos, era assim que eram conhecidas antes de virarem homens.
O nome de minha amiga é Christina, atualmente um nome na moda para mulheres que cobrem guerras. Ela diz que tem uma idéia divertida e intrigante para compensar o fato de que nosso vôo, infelizmente, parece estar carente de terroristas de verdade.
Christina está tentando me convencer a me levantar, girar o pratinho plástico de lasanha no ar, e anunciar que, na realidade, é um artefato explosivo miniaturizado, fabricado no Brasil e extremamente sensível, que eu pretendo detonar a não ser que o avião desvie sua rota imediatamente para a República Democrática do Congo.
A idéia de Christina pode ter dois resultados positivos:
1) A tripulação vai me achar um sujeito muito divertido e vai começar a me prestar muita atenção individualizada
2) Não vou precisar comer a lasanha, que, de qualquer jeito, tem gosto de explosivo.
Nossa armadilha voadora para turistas com excesso de peso parece já ter chegado no espaço aéreo italiano. Sei disso pelo enérgico cheiro de alho que paira no ar. Portanto, acho que já chegou a hora de partirmos para a dificílima parte degustativa de vinha de nossa viagem.
Ria se você quiser, Joãozinho, mas tio Dave está bem preparado para enfrentar o árduo desfile de vinhos italianos que vem aí.
Normalmente sou um simples bebedor de chope, como você. O que gosto no chope é que, basicamente, você o toma, simplesmente, e depois pede mais um.
Normalmente você não aspira o aroma do chope, nem o agita no copo, o segura contra a luz ou fala muito sobre ele -como as pessoas fazem com vinho.
Mas, já que vou me encontrar com o "signor" Venancio Ferrari, da família dos Ferrari do restaurante Massimo, eu achei que seria bom aprender alguma coisa sobre essa história de vinhos. Assim, tio Dave se matriculou num curso para "sommeliers" (para aqueles entre vocês que enfeitam o alto de sua geladeira com uma baiana -ou um pinguim-, explico: um "sommelier" é aquela pessoa cheia de dignidade que lhe entrega a lista de vinhos nos restaurantes caros. Ele diz: "Excelente escolha, senhor", quando você aponta para as palavras em italiano que, traduzidas, diriam "taxa adicional para abertura da garrafa").
Aprendi muita coisa sobre a bela arte de tomar vinho. Aprendi que eu podia transferir minha habilidade de tomar chope para o novo e misterioso mundo do vinho: bastava tomá-lo e olhar à minha volta à procura de mais.
Meus colegas alunos do curso, por outro lado, pareciam integrar a escola "sentir o aroma e contemplar" de consumo de vinho. Eles quase não chegavam a realmente tomar o vinho -em lugar disso, adotavam expressões compenetradas e emitiam alguma observação profunda acerca do vinho, como se estivessem fazendo a resenha de um filme. "Parece ser ambicioso, mas é um pouquinho, só um pouquinho, estridente."
Eu estava sentado ao lado de uma estudante italiana de nome Maria, e perguntei a ela se, na Itália, as pessoas montam esse circo todo em torno do vinho.
"Que nada", disse ela, "apenas tomam. Nós, italianos, tomamos vinho há muito, muito tempo."
Realmente aprendemos muito sobre vinhos italianos. Tivemos que responder testes escritos como este, por exemplo: "Qual dos seguintes nomes pertencem à região de Piemonte? a) Dolcetto d'Alba b) Barolo c) Barbaresco d) Nebbiolo e) Gatorade".
O Gatorade é só brincadeira, é claro. A região de Piemonte não usaria Gatorade nem mesmo como desodorante antitranspirante, para controlar o odor de sovaco.
Estou começando a temer que haja mais vinho na Itália do que tio Dave consiga consumir, mesmo contando com a ajuda generosa e competente de Venancio e Christina.
Quem sabe -talvez teria sido mais aconselhável e mais barato ficar em casa.

Tradução de Clara Allain

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