São Paulo, sábado, 14 de junho de 1997
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Provas contra Rainha não são conclusivas, afirma juiz

"Eu sou a favor da reforma agrária pacífica", diz magistrado

FERNANDA DA ESCÓSSIA
DA SUCURSAL DO RIO

Autor da sentença que condenou José Rainha Júnior a 26 anos e seis meses de prisão, o juiz Sebastião Mattos Mozine, 41, disse ontem à Folha que nenhum dos lados apresentou provas afirmativas ou negativas da culpa de Rainha.
Ele disse considerar normal que, em cidades pequenas, os jurados levem para o tribunal seus conhecimentos prévios sobre o crime: "O jurado costuma votar com o que não está nos autos, porque ele sabe que a verdade ou a mentira não vieram para os autos". Pedro Canário (ES), onde se realizou o julgamento, tem cerca de 21 mil habitantes. Mozine concedeu ontem à Folha a seguinte entrevista:
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Folha - O que o sr. acha das críticas apontando uma condenação política?
Sebastião Mattos Mozine - Achei normal, toda pessoa que perde alguma coisa tem que arrumar uma justificativa. Não acredito que o julgamento tenha sido político. No caso do fazendeiro José Machado, o júri decidiu por 4 a 3. Isso não é sinal de júri político.
Folha - Muitos advogados e especialistas acharam a pena muito rígida. O que o sr. responde?
Mozine - São dois crimes, duas mortes violentas, dois homicídios qualificados, eu fui benéfico. Poderia ter dado 36 anos, ou 54 anos. Apliquei a pena de um crime (18 anos) e aumentei na metade.
Folha - Houve vetos a vários jurados. Mesmo entre os sete que ficaram, o MST alegou que haveria pessoas ligadas às vítimas.
Mozine - Numa cidade do interior, certamente os jurados saberão de alguma coisa sobre a pessoa que morreu. Não sei se era relação de amizade, mas acho que todos os 125 jurados da comarca conheciam os fatos. Quanto a votar de forma tendenciosa, isso aí é outra coisa.
Folha - O fato de os jurados já conhecerem previamente a história não seria motivo para retirar o júri da comarca de Pedro Canário?
Mozine - O princípio do tribunal do júri é julgar o crime na sociedade onde ele aconteceu. O jurado julga com as provas dos autos e pode até votar contra ou a favor da prova dos autos, porque talvez os autos não retratassem a realidade. O jurado costuma votar com o que não está nos autos, porque ele sabe que a verdade ou a mentira não vieram para os autos.
Folha - E isso é correto, julgar com o que não está nos autos?
Mozine - Quando se transfere o julgamento para o julgador popular, ele soube desse crime, viu esse crime, quer dizer, ele leva um conhecimento daquele crime, para absolvição ou condenação, somado às provas dos autos.
Folha - E isso não diminui a neutralidade deles?
Mozine - O jurado, quando senta no júri e se preocupa com sua sociedade, está sabendo muito mais daquele crime do que o que está registrado no processo. Às vezes a gente vê decisões um pouco esquisitas, e aquele jurado que não consegue ficar com a boca fechada diz "doutor, nós julgamos assim porque aquele cara era covarde mesmo, ou a vítima era boa".
Folha - Qual a sua avaliação sobre as testemunhas de defesa?
Mozine - Só os vereadores disseram ter estado com Rainha. É preciso apreciar o valor dessa prova. São políticos, você sabe como está a imagem dos políticos no Brasil, infelizmente. E o outro que falou era um sindicalista, não estou dizendo que ele era tendencioso, mas poderia ser.
Folha - O que o sr. achou da principal testemunha de acusação, que descreve Rainha como um homem de rosto cheio?
Mozine - Eu estava até esperando que ele viesse, para fazer um esclarecimento maior. Teria um valor muito grande para a acusação, mas, da maneira como foi, a prova ficou prejudicada, confusa.
Folha - Qual foi a prova decisiva?
Mozine - A gente não sabe o que cabe na cabeça de jurado. Aquela leitura de peças cansativa do processo, jurado não ouve aquilo. Ele não presta atenção.
Folha - Se não havia provas materiais, se não houve testemunhas de acusação em plenário, se os jurados não prestam atenção nos autos, qual foi a prova decisiva?
Mozine - Jurado não lê, mas o Ministério Público foi lá e leu, a defesa leu, eles ficaram com aquela prova. É questão muito subjetiva.
Folha - Isso não afetaria a sentença?
Mozine - Aí já não me interessava. Eu li o processo, eu já tenho um fato, eu já tenho o seu autor e já tenho a motivação para o crime, que é a invasão de terra.
Folha - E, nos autos, o sr. achou bons os depoimentos das outras testemunhas de acusação?
Mozine - A verdade é que o conjunto de provas, tanto de um lado como de outro, não afirmava nem infirmava (invalidava, anulava). A prova testemunhal ficou toda em indícios, não teve um documento que trouxesse uma certeza.
Folha - E nem assim o réu foi beneficiado?
Mozine - Julgamos ora conforme a prova que beneficia, ora conforme a prova que não beneficia.
Folha - Qual sua opinião sobre o movimento pela reforma agrária?
Mozine - Eu sou a favor da reforma agrária pacífica, só não aceito a reforma agrária sangrenta. Sou a favor das ocupações, mas não da forma violenta como os sem-terra estão fazendo.

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