São Paulo, sábado, 14 de junho de 1997
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Primazia da obra de arte

CLÁUDIA V. DE MATTOS

o segundo número da revista é um retrato fiel do centro de pesquisa que a publica. Antes de tudo ele espelha o duplo esforço deste grupo: criar condições para a formação de historiadores da arte e arqueólogos em nosso país e para inseri-los na comunidade científica internacional.
Deste ponto de vista, os artigos podem ser divididos, grosso modo, em dois grandes grupos: aqueles produzidos por profissionais -estrangeiros e brasileiros-, cuja produção intelectual é conhecida e reconhecida pela comunidade científica, e os artigos de historiadores da arte em formação. Nesta última categoria, pode-se identificar o esforço dos professores do Centro de Pesquisa da Unicamp em estabelecer uma nova tradição de pesquisa em história da arte no Brasil, na qual esteja garantida a primazia da "obra de arte" como o objeto por excelência da disciplina. Atitude rara e louvável.
Superando a paralisia advinda da velha convicção de uma inviabilidade de formação do profissional historiador da arte no Brasil, devido a uma suposta ausência de material visual, o Centro de Pesquisa e sua revista reposicionaram a questão, atribuindo a falta de qualidade da produção do historiador da arte em nosso país, antes de tudo, a um desconhecimento fundamental dos métodos e da própria história da disciplina. A estreita colaboração estabelecida entre o Centro e o Masp, em grande parte reforçada pela ligação do atual diretor do Museu, Luiz Marques, com o grupo, lançou, ao que parece, as bases para a viabilização desta nova prática pedagógica.
Deste modo, os artigos de Cristiane Nascimento e Pedro Alvim Correia, dois estudantes de pós-graduação do Centro, abordando questões fundamentais da pesquisa relativa a uma única obra escolhida no acervo do Museu, são dos mais instigantes, pois demonstram quão significativos têm sido os resultados do ensino de uma prática metodológica rigorosa, tanto para os alunos como para o Masp.
O justo desejo de inserção dos profissionais historiadores da arte e arqueólogos brasileiros na comunidade científica internacional parece ser, como já foi dito, o segundo aspecto importante que regeu a seleção de textos para a revista. Os editores procuraram, por meio de uma política de ampla aceitação de artigos estrangeiros, fornecer ao leitor um panorama da produção internacional, tanto em arqueologia quanto em história da arte, criando o primeiro pré-requisito para um diálogo internacional. Por outro lado, a tradução dos textos brasileiros para o inglês, e a publicação dos estrangeiros no original (com tradução), revelam a esperança dos editores de despertar o interesse do leitor fora do país. Esse último aspecto indica o fervor com que o Centro de Pesquisa abraçou o seu projeto, demonstrando uma energia e disposição invejáveis.
Por outro lado, pelo que se pode julgar mediante o conteúdo da revista, esse otimismo saudável e necessário levou os editores, em alguns momentos, a dar passos largos demais em direção a seus objetivos. Uma seleção às vezes pouco criteriosa dos textos produziu um certo desequilíbrio no nível de qualidade dos artigos publicados. Assim, é de se perguntar se a abertura da revista para a produção internacional, na dimensão em que ela foi exercitada aqui, seria de fato o melhor caminho para alcançar os objetivos corretos perseguidos pelos editores. A meu ver, sem primeiramente assegurar-se a reputação nacional e internacional da revista, tal procedimento poderia implicar o risco de torná-la, contra a intenção dos editores, um depositário de artigos que não teriam alcançado o nível exigido por revistas internacionais de primeira ordem. Mais precavido seria, talvez, inicialmente, estimular a publicação de nossos historiadores da arte e arqueólogos em órgãos internacionais e preocupar-se, nesta revista, em estabelecer, antes de tudo, critérios mais definidos de seleção de artigos -critérios temáticos?- que permitam, a médio prazo, a construção de um perfil determinado e atraente para a revista. Só assim seria possível, a meu ver, criar-se o forum de debates de primeiro nível a que corretamente ela aspira. Ainda visando possibilitar uma interação mais ativa entre a revista e as comunidades científicas brasileira e internacional, seria de interesse que a revista publicasse os seus critérios e prazos para a aceitação de artigos, e o endereço para o qual o interessado em colaborar pudesse encaminhar seus trabalhos.
Elogiável também é a presença das resenhas e dos informativos no final da revista. Uma sugestão interessante seria acrescentar a esses um apanhado geral de congressos e outros eventos da comunidade científica nacional e internacional, ocorridos e a ocorrer, fornecendo uma oportunidade para historiadores da arte e arqueólogos brasileiros se informarem e participarem mais ativamente deste cenário. A belíssima edição e a qualidade das reproduções também devem ser aqui mencionadas.

Cláudia Valladão de Mattos é doutora em história da arte pela Universidade Livre de Berlim.

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