São Paulo, domingo, 15 de junho de 1997
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Governo traça plano contra preço abusivo

SHIRLEY EMERICK
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O governo quer usar os processos contra escolas, siderúrgicas e laboratórios como exemplo da nova atuação da área de defesa da concorrência.
O secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, Bolívar Moura Rocha, 33, disse que haverá empenho para que esses casos sirvam de base contra infrações de outros setores.
"Teremos empenho redobrado e triplicado nesses primeiros casos porque estamos empenhados em cristalizar e concretizar a imagem de que não ficará impune o exercício abusivo do poder econômico".
Segundo ele, o governo pretende dar uma resposta rápida para os reajustes injustificados de preços. "Haverá empenho à décima potência para lidar com um comportamento desse tipo", afirmou.
Na semana passada, a SDE (Secretaria de Direito Econômico) abriu processo administrativo contra esses setores. Se for comprovada a infração à lei, eles terão de pagar multas que podem chegar a R$ 1,8 milhão.
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Folha - Por que o governo decidiu reformular a área de defesa da concorrência?
Bolívar Moura Rocha - O que havia no passado e que emperrou a atuação efetiva do sistema de defesa da concorrência foi a falta de comunicação entre os órgãos. É desastroso nessa área que um órgão atue em um certo sentido e outro dê uma sinalização diferente. Isso desmoraliza a atuação do Executivo. Agora estamos atuando em sintonia.
Folha - Nas investigações anunciadas pelo governo na quinta-feira passada, ficou claro que o empenho do governo nessas questões será diferente...
Moura Rocha - O presidente do Cade, Gesner Oliveira, já disse que tão logo cheguem ao conselho os processos relativos a essas investigações, eles vão entrar com prioridade na pauta de julgamento. E vai haver um total empenho da Seae (Secretaria de Acompanhamento Econômico) e da SDE na defesa das nossas posições no momento de julgamento do Cade. Por exemplo, se o processo administrativo relativo ao comportamento do preço do aço concluir pela efetiva existência de um problema e sugerir uma punição ao Cade, nós vamos lá fazer sustentação oral dessas posições.
Folha - Mas para vocês já ficou claro que houve infração à lei...
Moura Rocha - Ficou óbvio que houve combinação de preços no caso do aço e aumento injustificado por parte do laboratório. Essa foi a nossa investigação, mas as empresas terão a oportunidade de se defender e poderão apresentar seus argumentos. Teremos empenho redobrado e triplicado nesses primeiros casos porque estamos empenhados em cristalizar e concretizar a imagem, por meio de ações concretas, de que não ficará impune o exercício abusivo do poder econômico.
Folha - Esses casos serão tomados como exemplo para o setor produtivo?
Moura Rocha - É um fato que os órgãos de governo têm recursos humanos e materiais limitados. Mas essas limitações exigem que hajamos com o "efeito demonstração". Temos que pinçar problemas importantes e de grande visibilidade e dar o exemplo claro. Não tem de predominar a impressão de que pode haver violação impune à ordem econômica.
Folha - O sr. acredita que as indústrias vão atender ao apelo que o governo fez e reduzir os preços abusivos?
Moura Rocha - Acho que o comportamento dos laboratórios é o melhor exemplo de que muita coisa não mudou. Nós inauguramos no final do ano uma fase em que o governo não mais participava de discussões preventivas de aumento de preços nessa área. Cada um deveria adotar sua decisão e aguentar as consequências. O comportamento que se constatou desde que o governo se afastou desse acordo informal denota, por parte do setor, a percepção de que não há um sistema eficaz de defesa da concorrência. É preciso promover ações exemplares para construir uma consciência de defesa da concorrência nessa área.
Folha - Pode ter algum resultado um apelo dessa natureza, que pede medidas voluntárias?
Moura Rocha - Eu acho que sim. Primeiro porque a indústria sabe que esse apelo não é desprovido de alternativas. A consequência ao não atendimento desse apelo é uma ação do governo, que já começou, e que vai ser rigorosa, criteriosa, enérgica e incansável. Eles estão sabendo disso, pois foi dada a notícia da determinação absoluta de fazer o que for necessário para resolver o problema. Esses processos administrativos envolvem uma discussão difícil e, certamente, um desgaste para a imagem da indústria. Acho que é de todo interesse da indústria farmacêutica oferecer aos consumidores uma saída rápida e não traumática para esse problema.
Folha - Temos alguns exemplos de monitoramento, em que houve uma reação forte por parte das indústrias, como falta de mercadoria no mercado. O que o governo espera dos produtores?
Moura Rocha - Eu tenho a impressão de que a indústria vai querer resolver de forma não-traumática esse problema. Me surpreenderia muito se houver recurso ou comportamento desse tipo, como desabastecimento, negativa de fornecimento. Acho que a indústria tem tudo a perder e nada a ganhar com a criação de uma imagem de infratora da legislação.
Folha - Mas qual é o instrumento para punir esse tipo de comportamento?
Moura Rocha - Se isso acontecesse, o que eu não acredito, haveria empenho do governo em dar resposta concreta, rápida e sólida para as práticas como reajuste injustificado de preço. Haveria empenho à décima potência para lidar com um comportamento desse tipo. A indústria sabe disso e eu não acredito que esteja passando pela cabeça de ninguém recorrer a esse tipo de comportamento.
Folha - A quem deve ser dirigida uma reclamação?
Moura Rocha - A lei prevê que interessados que se sintam lesados façam uma representação à SDE. Esse é o caminho formal, mas é claro que a Seae estará à disposição para receber fax e ligações.
Folha - E no caso das reclamações dos consumidores?
Moura Rocha - Na área de defesa do consumidor há o DPDC (Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor) e os Procons municipais. No caso da defesa da concorrência, a lei prevê um papel expresso para a Seae. A secretaria pode fazer pareceres e, se houver indícios, pode investigar. Nos casos anunciados na quinta-feira, a investigação começou na Seae porque cabe à secretaria acompanhar o mercado de forma geral. Se constatarmos alguma anomalia podemos investigar -foi isso o que aconteceu.
Folha - Escolas e planos de saúde são dois setores que acumulam muitas denúncias...
Moura Rocha - Há um estoque muito grande de processos administrativos desses dois assuntos nas secretarias. O sistema deve uma resposta, uma satisfação aos interessados e à opinião pública. Estamos inaugurando um mutirão para lidar com esse estoque. Serão dois grupos de trabalho, um para mensalidades e outro para planos de saúde.
A idéia é mapear os processos existentes, identificar a natureza dos problemas, definir uma orientação e resolvê-los. Eventualmente, propor sanção ao Cade ou aplicação de multa.
Folha - Vocês vão monitorar também as concorrências públicas?
Moura Rocha - Esse é um dos focos de atenção do sistema. Nós sabemos que não é novidade para ninguém medianamente informado que concorrências públicas tradicionalmente no Brasil deram margem a entendimento entre empresas, seja para fixação de preços, seja para definir previamente quem vai ganhar. Será objeto da nossa atenção. É óbvio que a responsabilidade primeira em atacar esse tipo de problema é do poder público contratante.
Folha - Vocês vão atuar por iniciativa própria?
Moura Rocha - Vamos atuar quando provocados porque o interessado maior é quem contrata os bens e serviços. Há uma limitação de meios, de recursos materiais e humanos, e seria indesejável passar a impressão de que nós temos condições de acompanhar cada licitação que é feita no Brasil.
Folha - Quais são as outras áreas a monitorar?
Moura Rocha - Estamos olhando atentamente a área de planos de saúde. Vamos propor e adotar medidas tão logo seja necessário. Essa área é um foco porque é um mercado que atinge quase 40 milhões de brasileiros e que ainda não foi regulamentada. O governo está vendo com grande interesse a perspectiva de regulamentação pelo Congresso Nacional.

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