São Paulo, domingo, 15 de junho de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"Pesquisadores terão de rever posições"

ESPECIAL PARA A FOLHA

O arqueólogo Robson Bonnichsen pertence ao campo daqueles que chama de "liberais" -pesquisadores que acreditam que o povoamento das Américas é mais velho do que o período conhecido como Clóvis (o sítio arqueológico nos EUA com a povoação mais antiga comprovada, de 11.200 a 10.900 anos atrás).
Ele dirige o Centro para o Estudo dos Primeiros Americanos, da Universidade Estadual de Oregon, e é um entusiasta do sítio chileno de Monte Verde pesquisado pela equipe de Tom D. Dillehay, da Universidade de Kentucky. Bonnichsen também acha que o sítio brasileiro de Pedra Furada, no Piauí, pode ser igualmente antigo.
Ele editou vários livros sobre o povoamento das Américas, como "Clovis: Origins and Adaptations", co-editado com Karen L. Turnmire, de 1991, e "Method and Theory for Investigating the Peopling of the Americas", co-editado com D. Gentry Steele, de 1994.
Leia, a seguir, a entrevista concedida à Folha.
*
Folha - O senhor acredita que é possível ter um sítio arqueológico pré-Clóvis, como Monte Verde, no sul da América do Sul?
Robson Bonnichsen - Não é apenas possível, aconteceu de fato. Tom Dillehay e sua equipe trabalharam quase 20 anos nesse projeto. Eu estive em Monte Verde em 1988, vi objetos coletados em Lexington, Kentucky, e estive em algumas palestras dele.
Também vi o volume um do trabalho sobre o sítio, e uma cópia pré-publicação do volume dois, ainda no prelo. Posso dizer que conheço o sítio, e há uma enorme quantidade de dados.
Tom reuniu uma equipe de cerca de 80 pesquisadores, um dos maiores esforços multidisciplinares já realizados. Havia tanto rancor nessa nossa profissão, tanta gente que categoricamente recusava a possibilidade de um sítio pré-Clóvis, que ele terminou apresentando uma enorme quantidade de dados, que ninguém vai poder desmentir.
Folha - Que tipo de dados, por exemplo?
Bonnichsen - Eles têm estruturas de habitações, têm 14 datações de carbono-14 com 12 mil anos de idade, em média, há preservação de resíduos orgânicos, artefatos de madeira, até mesmo um pedaço de carne de mastodonte. Também identificaram cerca de 80 plantas medicinais. Plantas de altas altitudes dos Andes, que não seriam naturais dali.
Há artefatos de pedra. Esse sítio é, de fato, único. Tudo combina, as situações de preservações eram excelentes. E existem outros sítios pré-Clóvis.
Folha - O sítio de Monte Verde é polêmico porque, além de estar no sul do continente, teria uma datação ainda mais antiga.
Bonnichsen - Há material, como lascas de artefatos de pedra, que teria 33 mil anos.
Folha - Isso coloca a questão: de onde teriam vindo essas pessoas?
Bonnichsen - Sem dúvida. Eu gostaria de poder dar uma olhada em DNA antigo da América do Sul. Quem sabe de onde eles vieram? Eu não sei.
Pode até ser que eles eram navegadores que vieram pelo Pacífico. Isso tudo sugere que as pessoas estão nas Américas há bastante tempo. Pesquisas como as de Dillehay são instrumentais em fazer as pessoas com opiniões enraizadas repensarem suas posições.
Folha - Porque houve rancor nesse campo de estudo?
Bonnichsen - Eu realmente não entendo. Se você pegar qualquer grupo de pessoas, você vai ter alguns arquiconservadores e outros liberais. Nós temos pessoas extremamente conservadoras nessa área.
Folha - Talvez isso aconteça em paleontologia e em arqueologia porque as evidências são sempre tão pequenas que viram controversas.
Bonnichsen - Se é o caso de apenas algumas lascas de pedra, os opositores vão poder tentar contestá-lo. No caso de Dillehay, existe tanto material que isso não é possível, até mesmo uma pegada humana. Ainda tem gente dizendo que é um sítio controverso. Mas ele tem mais evidências do que muitos sítios com datações posteriores.
Folha - Em um artigo no começo do ano, Dillehay disse que ele também foi culpado de uma análise apressada de outro sítio, o de Pedra Furada, no Brasil.
Bonnichsen - Eu li o artigo e também estive com ele em Pedra Furada em uma conferência em 1993. Eu gostei de ler isso, pois fiquei muito frustrado com a posição anterior dele. Niède Guidon e sua equipe estudaram 15 anos em Pedra Furada, fizeram uma grande quantidade de trabalho. Dillehay e mais dois colegas americanos não levantaram suas objeções então, e depois publicaram um artigo na revista "Antiquity". Eles deveriam, por cortesia à anfitriã, ter relatado essas objeções publicamente. Eu espero que eles entendam que essa não é uma maneira de promover a colaboração internacional.
Folha - O senhor acha que o sítio de Pedra Furada poderia ser tão antigo como afirma a equipe de Niède Guidon?
Bonnichsen - Eu acho que é possível. A última coisa que eu soube eram datações de 50 mil anos, e isso é possível. Fábio Parenti escreveu uma enorme tese de doutorado a respeito, em francês, e ela deveria ser publicada em inglês. As críticas dos pesquisadores americanos foram baseadas em alguns espécimes na conferência. Eles não leram o trabalho de Fábio. Nós estamos tentando traduzir essa tese para que os dados estejam disponíveis a todos. Você não joga fora o trabalho de 15 anos de uma equipe porque alguns sujeitos foram a uma conferência e fazem uma resenha negativa.

Texto Anterior: Cavernas no deserto argentino
Próximo Texto: Brasil pode ter mais evidências
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.