São Paulo, terça-feira, 17 de junho de 1997
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Defesa da moeda

ANDRÉ LARA RESENDE

Está finalmente em discussão na Câmara dos Deputados o projeto de lei complementar do sistema financeiro que regulamenta o artigo 192 da Constituição. Trata-se de tarefa hercúlea. Como chama a atenção o parecer do relator, deputado Saulo Queiroz, dos vários projetos em trâmite, nenhum consegue abranger o escopo de regulamentação de todo o sistema financeiro, conforme prevê o artigo constitucional. Não é para menos: estamos falando de redesenhar todas as instituições e atividades do sistema financeiro.
É preciso tratar das autoridades monetárias, aí incluindo o desenho e as atribuições do Banco Central, dos demais órgãos de supervisão e regulamentação, como a CVM e as superintendências de seguros e previdência privada, sem esquecer do sistema bancário e das demais instituições financeiras. Melhor seria dividir a tarefa em diferentes projetos de lei, que versassem sobre cada um dos diferentes conjuntos de questões envolvidas. Infelizmente, a interpretação dada ao que reza o artigo da Constituição é que toda a matéria deve ser tratada numa única lei complementar.
Fui ler o projeto com grande desconfiança. Propostas anteriores a que tive acesso pecavam pelo mal que nos assola de longa data: a tentação de tudo prever e regulamentar até os mais ínfimos detalhes. O resultado, como não poderia deixar de ser, eram calhamaços confusos, quase impenetráveis. Não é o caso do substitutivo do relator Saulo Queiroz. Eu, sinceramente, gostaria de ver algo ainda bem mais enxuto e simplificado, mas a verdade é que fiquei favoravelmente surpreso.
O desenho das autoridades monetárias, de acordo com o que tivemos desde a reforma do sistema financeiro de 1965, mantém um órgão acima do BC. O antigo Conselho Monetário é substituído por um Conselho Financeiro Nacional, que reúne funções e competências atualmente espalhadas por vários órgãos reguladores. O novo CFN terá nove membros, será presidido pelo ministro da Fazenda e terá três conselheiros externos ao governo, com mandatos de quatro anos.
O desenho do Banco Central apresenta progresso considerável em relação ao atual. O Banco Central passa a ter "por objetivo principal a defesa e o fortalecimento da moeda nacional". Toda a diretoria terá mandato fixo de quatro anos. Por mais formalista que possa parecer, trata-se de um grande avanço. Basta lembrar que, até há pouco tempo, o Banco Central tinha uma diretoria de crédito agrícola, cuja função era conceder créditos subsidiados de acordo com as inevitáveis pressões políticas que isso acarreta.
É verdade que o artigo seguinte lista "a consecução dos demais objetivos da política econômica do governo" como um dos objetivos adicionais de sua atuação. Abre-se aí uma brecha para restringir a autonomia do Banco Central na defesa da moeda. É evidente que a atuação do BC na condução das políticas monetária e cambial não pode estar em flagrante disparidade com os demais aspectos da política econômica. A simples existência do Conselho Financeiro, presidido pelo ministro da Fazenda, já seria mais do que suficiente para, como afirma o parecer do relator, não elevar o Banco Central "à condição de autonomia absoluta". De toda forma, trata-se de um avanço, sem sombra de dúvida.

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