São Paulo, sexta-feira, 20 de junho de 1997
Texto Anterior | Índice

Vinho realça sabor de pratos típicos do Brasil

JOSIMAR MELO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Uma experiência inédita sobre a combinação de pratos da cozinha típica brasileira com vinhos levou a conclusões que, para muita gente, poderão parecer surpreendentes: a cozinha brasileira vai muito bem com os vinhos, não tendo por que se limitar às tradicionais cachaça e cerveja.
Um pato no tucupi, iguaria exótica da Amazônia, por exemplo, acompanha-se com perfeição de um vinho produzido com a nobre uva de origem francesa Cabernet Sauvignon. E uma vaca atolada, consistente cozido mineiro de costela de boi e mandioca, fica ainda melhor se acompanhada de um vinho da África do Sul.
Essa experiência foi realizada a convite da Folha, no final da tarde de 6 de junho, reunindo cinco pessoas ligadas -por profissão ou simples paixão- ao mundo da gastronomia (não necessariamente aos vinhos): o cozinheiro francês Erick Jacquin (restaurante Le Coq Hardy de São Paulo); o médico (e amante da boa mesa) José Ruy Sampaio; o sommelier Manoel Beato (responsável pela carta de vinhos do restaurante Fasano, São Paulo); a proprietária do bufê Ginger, e articulista da Folha, Nina Horta; e o executivo Jorge Carrara, colunista de vinhos da Folha.
Durante uma hora e meia, eles experimentaram a combinação de cinco pratos típicos, cada um com três vinhos de diversas origens. Os vinhos eram experimentados às cegas -ou seja, os degustadores recebiam as taças já servidas, sem saber que vinho estavam bebendo.
Eles analisavam a sensação produzia em seu paladar pela combinação dos pratos com os vinhos, traduzindo-a em cinco critérios: péssima, ruim, regular, boa ou ótima.
A combinação era considerada péssima quando os sabores, aromas e texturas tanto do vinho quanto do prato entravam em choque, produzindo uma sensação desagradável; e, no outro extremo, a combinação era considerada ótima se o vinho ajudasse a realçar a comida e vice-versa -produzindo na boca um resultado final ainda mais agradável, superior ao que o vinho ou a comida produziriam sozinhos.
Surpresa: das 15 combinações avaliadas, nenhuma ganhou, na média, a pior classificação (péssimo), e apenas 1 foi considerada ruim. A grande notícia é que todas as demais estiveram de regular para cima -sendo que 6 foram consideradas boas, e 2, ótimas.
E note-se que o que se experimentou não foi a cozinha trivial do bife com arroz e feijão, de sabores bem mais simples. Os vinhos foram cotejados com pratos regionais marcantes, ricos em condimentos e ingredientes bem particulares à nossa cultura: xinxim de galinha, vatapá, pato no tucupi, vaca atolada e feijoada.
Ocorre, porém, que o vinho é um alimento, e tende a combinar-se harmonicamente com outros alimentos. Não haveria motivo para que fosse diferente com a cozinha brasileira. O fato de o Brasil não ser um país de tradição vinícola faz com que nossos pratos não tenham um casamento "natural" com os vinhos da região; mas, por outro lado, deixa-nos à vontade para procurar livremente quais as melhores combinações.
A tradição impõe que os pratos regionais sejam servidos com cerveja ou cachaça -que efetivamente são boas companhias para comidas muito condimentadas. Mas não haveria por que haver uma exclusividade dessas bebidas nem por que não considerar os vinhos como uma opção.
O painel realizado pela Folha provou, por exemplo, que a feijoada, ícone da cozinha brasileira, pode ser prazerosamente acompanhada do francês Beaujolais Moulin-à-Vent (no caso, da safra de 1996, do produtor Mommessin) ou do sul-africano Kanonkop (feito com uva Cabernet Sauvignon, safra 92). E não só: constatou-se que o prato também admite ser acompanhado -quem diria- por um espumante brasileiro semelhante ao Champagne (o M. Chandon).
Ao longo da degustação houve outras deliciosas surpresas. Diferentes vinhos tintos oriundos da nobre casta Cabernet Sauvignon mostraram-se ótimos companheiros para pratos brasileiros como o pato no tucupi (o chileno Montes Alpha 93) e a vaca atolada (o Kanonkop 92).
E o suntuoso vatapá baiano, enriquecido pelo azeite de dendê, encontrou um parceiro à altura (por sua estrutura e perfume) num outro vinho branco, de uva Chardonnay, o argentino Catena 95.
Ao final do encontro, os participantes mostravam-se entusiasmados em relação às possibilidades abertas por esta primeira degustação cotejando comida brasileira com vinhos. "Agora já temos alguns parâmetros para saber como se dá essa combinação. Numa próxima degustação, poderemos ir ainda mais longe, pois já não partiremos do zero", disse o médico José Ruy Sampaio, refletindo a opinião geral.

Texto Anterior: acessórios
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.