São Paulo, sexta-feira, 20 de junho de 1997
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A proposta de Raul Velloso: truque ou solução?

MAILSON DA NÓBREGA

A proposta de Raul Velloso para lidar com o grave problema do custo dos inativos e pensionistas da União é ao mesmo tempo simples e engenhosa.
A idéia, comentada positivamente aqui na Folha por Celso Pinto e Álvaro Zini, consiste em um fundo de capitalização, lastreado por ativos da União e sob gestão privada, para pagar aposentadorias e pensões dos admitidos até a data de sua criação.
Fundos de capitalização para prover pagamentos dessa natureza são velhos conhecidos. A novidade é permitir à União usar com esse objetivo o seu enorme estoque de bens e créditos, muitos dos quais nem ela mesma sabe o valor.
Existem ativos perfeitamente identificáveis -casos de sua participação no capital das empresas estatais- e vários que, com algum esforço, podem ser quantificáveis -caso dos créditos tributários e outros registrados na dívida ativa.
A maior parte é, entretanto, de difícil estimação. Uns porque dependem das condições em que vierem a ser realizados -caso do valor das concessões da telefonia celular- e outros por dificuldade operacional ou ineficiência -caso dos terrenos e prédios sob controle do Serviço de Patrimônio da União.
Dadas as características da nossa contabilidade pública, esses ativos não são considerados nos balanços da União nem no cálculo do déficit público.
O governo federal se encontra, assim, na situação daquela empresa que dispõe de um grande imobilizado absolutamente improdutivo e se afoga em dívidas. Nesse caso, qualquer um sabe a saída: vender ativos ou fazê-los gerar receitas.
Soluções desse tipo, rotineiras no setor privado, são difíceis de acontecer no governo. Explicação: no setor privado, não adotá-las pode significar o fim da empresa, enquanto que o governo pode procrastinar por muito tempo a busca da saída.
É que o governo, não estando sujeito à lei da falência, tem ao seu alcance a alternativa da violência, de cujo monopólio é detentor: mandar a conta do ajuste para os pobres, via inflação.
A proposta de Velloso tem dupla vantagem: representaria uma alternativa inteligente para o problema e propiciaria ganhos adicionais à sociedade (os decorrentes da eficiência na gestão privada desses ativos).
Afora isso, daria uma destinação mais nobre aos recursos da privatização, os quais seriam naturalmente carreados para o fundo, em vez de financiar projetos escolhidos por burocratas ou em virtude de pressões políticas.
Apesar da simplicidade da idéia, os não iniciados no emaranhado das contas públicas têm tido dificuldade de entendê-la. A primeira dúvida é a de como efetuar pagamentos enquanto os ativos não produzem receita por venda ou gestão.
Velloso sugere, para tanto, destinar os recursos hoje utilizados no pagamento de aposentadorias e pensões para a constituição de um segundo fundo, que adiantaria recursos ao primeiro até que este começasse a frutificar.
Do ponto de vista de desembolsos, nada se alteraria. Mas, como a classificação contábil muda de despesa para empréstimo, o efeito seria uma redução correspondente no déficit público.
Essa redução acontece porque na metodologia de cálculo do déficit público os créditos do governo, em todas as suas esferas, são abatidos do valor do estoque dos seus respectivos débitos.
Quem não entendeu bem a proposta enxergou nela um mero truque contábil. Ou seja, o governo esconderia o problema mediante uma simples reclassificação contábil da despesa. Há quem diga simplesmente que esses recursos existem. Logo, tratar-se-ia de um engana-trouxa.
Para mim, a proposta não contém nenhum truque. O patrimônio para o primeiro fundo existe, embora não se possa capturá-lo nas estatísticas. Já o segundo constitui uma transição necessária até que se obtenham do primeiro os correspondentes resultados.
Mesmo que não houvesse a óbvia vantagem da explicitação dos ativos e da correta reclassificação dos desembolsos, a idéia, mesmo assim, deve ser apoiada. No mínimo, geraria recursos que hoje se perdem nas profundezas da ineficiência do Estado.
A proposta se completa com um terceiro fundo para a aposentadoria dos admitidos após a criação do primeiro, capitalizado por suas próprias contribuições, o que exigiria mudança constitucional. Mas isso já é outra história.

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