São Paulo, sexta-feira, 20 de junho de 1997
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O sabido que não é esperto

LUÍS NASSIF

Há alguma coisa não muito clara nem para os "neobobos" nem para o "neo-esperto" do presidente da República. As bandeiras de modernização não são propriedade de FHC. São uma obra coletiva, penosamente amadurecida ao longo de mais de 15 anos de discussões por parte majoritária da chamada opinião pública.
A adesão de FHC veio quando as idéias já estavam razoavelmente estabelecidas. Por isso, foram essas idéias que conduziram FHC à Presidência, e não o contrário.
O presidente recebeu o bastão com a responsabilidade histórica de entregá-lo inteiro e aprimorado ao sucessor. Mas sua postura superior, excessivamente vaidosa e personalista, está prejudicando todo o debate nacional.
FHC não está em debate acadêmico: está em debate público. Não participa de torneios intelectuais, mas de disputas políticas. E a discussão política não se mede apenas por argumentos, por firulas verbais ou por citações. Mede-se por posturas públicas e por resultados. E, nesse campo, se FHC é sabido, seguramente não é esperto.
Sua atração pelos salões fê-lo isolar-se das ruas. Seu gosto por maquiavelismos de palácio fê-lo abandonar o discurso público. Sua auto-suficiência está fazendo-o sacrificar companheiros naturais de idéias em troca de um duvidoso pragmatismo de pairar acima das idéias e dos partidos.
Por mais que esteja coberto de razão em suas formulações, por mais que muitos críticos possam, de fato, ser "neobobos", sua arrogância intelectual tem criado uma resistência a toda prova, não apenas a ele, mas -aí é o grave- a qualquer tentativa de racionalizar a discussão política e obter consenso nacional.
Com essa polarização emburrecedora da discussão política, dez argumentos sobre as virtudes da modernização não resistem a um slogan do tipo "o neoliberalismo é a última forma de exploração capitalista do homem", seja lá o que isso queira dizer.
Vinte argumentos racionais em defesa da venda da Vale esbarram em um mero "vão vender nossas riquezas à sanha do capital internacional".
Todos os argumentos técnicos em defesa do Proer têm de suportar um "o governo deu dinheiro para salvar banqueiro falido".
Culpa dos "neobobos"? Quem brande argumentos desse nível e consegue sucesso pode ser tudo, menos bobo. Esse estilo de argumentação estava morto e enterrado e foi ressuscitado exclusivamente pela polarização política deflagrada por esse estilo superior de FHC.
É um fantástico desperdício de energia política. E não adianta argumentar que a opinião pública não é objetiva, não sabe colocar os fins na frente dos meios nem os interesses do país acima de idiossincrasias pessoais. Essa é a opinião pública que temos. Essa é a realidade a ser trabalhada. Não é disputa de tese, é briga de foice.
No início do governo, FHC garantiu que era suficientemente inteligente para não ceder espaço ao FHC vaidoso.
Está na hora de provar.
Café e cartório
O subsídio dado pelo ministro da Indústria e Comércio à indústria do solúvel contrasta com tudo o que se tem dito e escrito sobre as novas formas de governo.
Sem recorrer a nenhuma instância, Francisco Dornelles decidiu entregar 70 mil sacas por mês dos estoques do governo ao solúvel, para pagamento daqui a três anos, em café.
Não teve nem o pudor de colocar essas sacas em leilão. Subsídio direto, explícito, ao velho estilo do Instituto Brasileiro do Café.
Faria bem o presidente em rever essa decisão esdrúxula.

Email: lnassif@uol.com.br

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