São Paulo, sexta-feira, 20 de junho de 1997
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TCHECOV

NELSON DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

É só ler ou ver uma peça de Anton Tchecov e logo fica clara a razão de tantos dos maiores atores brasileiros desejarem encenar o autor russo.
O universo de Tchecov, com seres entediados e decadentes, pateticamente perdidos entre o fim de um tempo e a dúvida do início de outro, está no ar, no dizer do diretor Eduardo Tolentino de Araújo.
Somem-se os grandes papéis ligados ao teatro, atores, dramaturgos, intelectuais; some-se também a revelação do humor tão pouco conhecido das montagens brasileiras anteriores -e aparecem os tantos atores e diretores com declarações de paixão pelo dramaturgo russo.
A maior parte chega a Tchecov pela primeira vez, depois de anos de namoro distante. Tolentino, que se declara fanático por Tchecov, nem ousava encenar.
O projeto de "Ivanov" (1887) do grupo Tapa tem mais de uma década, mas eles não se consideravam preparados, o que inclui os protagonistas Denise Weinberg (no papel de Ana Petrovna) e Zecarlos Machado (Ivanov). A peça estréia no segundo semestre no teatro Aliança Francesa, em São Paulo.
Maria Padilha, que vai interpretar Macha em "As Três Irmãs" (1900/01), conta o seu fanatismo da mesma época, quando começava no teatro com o grupo Pessoal do Despertar.
"Foi quando eu me apaixonei pela peça", diz a atriz, que prevê um longo trabalho de preparação para enfrentar o texto no palco, com estréia prevista só para o ano que vem, no Rio.
Está consolidando uma companhia, ou pelo menos o espírito de trabalho de uma companhia, com as atrizes Louise Cardoso (Olga, a irmã mais velha) e Cláudia Abreu (Irina, a mais jovem), além de um diretor que ainda buscam, capaz de dedicar-se a desvendar o dramaturgo russo em grupo.
Daniela Thomas, que adaptou e vai dirigir "A Gaivota" (1896) no início do ano que vem, com elenco encabeçado por Fernanda Montenegro (Arkadina), Matheus Nachtergaele (Treplev) e Fernanda Torres (Nina), também recorre à palavra "paixão" para falar do autor.
"Eu sou apaixonada, sou uma fã, gosto demais da dramaturgia do Tchecov. É como Machado de Assis. É extremamente incisivo nas relações humanas, mas sem fazer melodrama."
Tchecov urgente
O propulsor de tamanhos envolvimentos, anos depois da primeira paixão por Tchecov, é sobretudo a urgência -expressão de Maria Padilha- dos textos, que os envolvidos não sentiam antes, mas que surge evidente, agora.
"O Tchecov está querendo dizer alguma coisa", diz o ator Renato Borghi, que faz o personagem-título em "O Tio Vânia" (1897), com estréia programada para o segundo semestre, no TBC, em São Paulo.
A montagem, com Mariana Lima (Helena) e direção de Élcio Nogueira, seria um depoimento sobre o Brasil. O ator comenta que chega a ser curioso o acúmulo de similaridades.
"Tem muito em comum. Todo mundo está querendo fazer alguma coisa, mas os alvos procurados são falsos. Alvos de dinheiro, ganhar uma grana." Por outro lado, "é um momento de muita trivialidade, banalidade, como a gente está vivendo".
A contemporaneidade de Anton Tchecov, que viveu entre 1860 e 1904, está nos detalhes, não no enredo. É o que o diretor Tolentino identifica em "Ivanov". A peça é anterior à Rússia pré-revolucionária das demais, o que a aproxima ainda mais ao mundo de hoje.
"Em 1887 eles estavam vivendo uma descrença ideológica muito grande. Todas as idéias liberais dos anos 1860, de certa maneira, ruíam. E eu sinto uma similaridade muito grande. São sentimentos que a gente reconhece."
Sem melodrama
É famoso o questionamento que Tchecov fez das históricas encenações de Stanislavski no Teatro de Arte de Moscou, a partir de 1899. Não aceitava o sentimentalismo e o naturalismo ("tornam meus personagens em bebês chorões") e lamentava particularmente a falta de humor.
Tchecov deve ser atendido, nas quatro montagens brasileiras. Daniela Thomas descarta desde já o melodrama, em "A Gaivota", que o autor descreve nas edições como uma "comédia".
Fernanda Montenegro, que vai interpretar Arkadina, uma atriz veterana e um dos maiores papéis tchecovianos, chega a brincar com a reação do autor ao melodrama. Diz que os dramas americanos posteriores, caso de Eugene O'Neill, poderiam ser todos resolvidos por um psicanalista. Tchecov, não.
É mais profundo e ao mesmo tempo, na expressão da diretora, "as situações são tão banais". Tolentino vai na mesma direção, com "Ivanov", apesar da definição da peça, nas edições, como "drama".
Mas estão lá também "os dados de humor do Tchecov, que aparecem de maneira muito corrosiva". Um humor tipicamente russo que vem de muito antes, de Turgenev, assinala o diretor.
Se move os diretores, a comicidade tchecoviana empolga ainda mais atores como Renato Borghi e Maria Padilha.
"Eu vejo 'As Três Irmãs' com muito humor", diz a atriz. "São todos personagens muito 'surtados'." Daí, em parte, o elenco com Louise Cardoso e Cláudia Abreu, intérpretes de talento cômico -a outra razão é que a peça permite um encontro de gerações próximas, diz a atriz.
Borghi também quer priorizar o humor. "Vamos pegar o lado insólito, de comédia, do Tchecov, que ninguém pegou no Brasil."

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