São Paulo, domingo, 22 de junho de 1997
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Kuerten torce por 'zebra' em Wimbledon

PAULO HENRIQUE BRAGA
DE LONDRES

Gustavo Kuerten, 20, parece ainda não saber que sua vitória no aberto da França o elevou ao status de novo ídolo nacional.
Quando voltar ao Brasil, independentemente de seu resultado no torneio de Wimbledon, espera fazer o mesmo de sempre: se inteirar das notícias do país e, depois, encontrar os mesmos amigos, ir à praia, fazer um churrasco.
Kuerten também ainda não planejou o que vai fazer com os US$ 740 mil ganhos com a vitória em Roland Garros. Por enquanto, não tem nem carro. De seu, "só um celular e as raquetes".
Kuerten não tem namorada e espera que, agora que ficou famoso, alguma das "100 mil meninas" que o conhecem possa se interessar por ele.
Sua semana de preparação para o maior torneio de tênis do mundo foi atrapalhada pelo mau tempo, que impediu que ele tivesse mais contato com a quadra de grama.
Nem assim perdeu o humor. Para esquecer a frustração de mais um dia de chuva, um a menos de treino no terreno pouco familiar, sacou um videogame portátil da bolsa. Mas o distanciamento não era total: o tema do jogo era tênis.
Kuerten deu entrevista à Folha durante um dos intervalos em sua preparação em Nottingham. Leia a seguir os principais trechos.
*
Folha - Você tem recebido notícias do Brasil?
Gustavo Kuerten - Não muitas, só em relação à minha família; às vezes, eu falo com os amigos.
Folha - Está com muita saudade?
Kuerten - Já estou acostumado. A gente sente falta um pouco, mas sei que minha vida é assim, já há algum tempo, não é muito galho. Normalmente, fico um mês, um mês e meio fora de casa.
Folha - E quando você está em casa, o que mais gosta de fazer?
Kuerten - No verão, estou sempre na praia, com meus amigos. Eu gosto de ficar com meus amigos, ou fazer um churrasco para juntar a galera, um futebolzinho. Quando eu estou lá, aproveito bastante.
Folha - Fica longe do tênis?
Kuerten - Quando tenho tempo para me divertir, faço sempre outra coisa. Tenho que viver a vida também, né? O tênis é minha profissão, mas se ficar bitolado acaba prejudicando até.
Folha - O que você espera da sua volta para o Brasil?
Espero chegar lá em Floripa (Florianópolis) e fazer as mesmas coisas. Vou esperar para ver, não sei como é que está lá. Espero encontrar com as mesmas pessoas.
Vai ser praticamente a mesma coisa, para mim não mudou nada ainda. De repente, quando eu chegar, pode ser que tenha alguma coisa diferente, mas até agora estou continuando aqui nos torneios jogando, minha vida continua normal.
Folha - Você ainda não sentiu a reação que sua vitória na França teve no Brasil...
Kuerten - A gente sente, mas é uma coisa passageira, não é a mesma coisa que eu estar lá, com as pessoas em cima, uma coisa que comece a realmente fazer parte da minha vida. Naquela semana, recebi um monte de faxes... Chega o fax, tu olhas, depois esquece, viaja, continua jogando.
A minha cabeça voltada para os torneios me fez não pensar tanto nesse lado e continuar focalizando os campeonatos.
Folha - O que você faz quando tem tempo livre?
Kuerten - Eu gosto de videogame, de ler uma revista de surfe, de revista em quadrinhos.
Depois, quando chegar a hora de jogar, vou estar com a mesma vontade de sempre. Não adianta sair da quadra e ficar pensando no próximo treino, ficar de saco cheio.
Folha - Você gosta de música?
Kuerten - Gosto de quase todo tipo de música brasileira, desses grupos novos que misturam rock e reggae. Gosto até de cantores como Fábio Júnior, Roupa Nova.
Quando eu escuto a música brasileira, mato um pouco a saudade.
Folha - Alguns jornais estrangeiros disseram que você pode trazer alegria para o tênis. Você acha que o esporte se leva a sério demais?
Kuerten - Não sei. Mas sempre tiveram umas figuras diferentes, que alegraram o tênis: o Yannick Noah, Henry Leconte, John McEnroe. Sempre tem uns personagens com um estilo diferente. Eu só jogo do meu jeito, faço o que eu acho que me deixa à vontade.
Folha - Do que você sente mais falta do Brasil?
Kuerten - Da minha família, dos meus amigos, falar português, ler o jornal. No mais, a gente se acostuma com a cama dos hotéis.
Folha - Você já sentiu que sua responsabilidade aumentou por ter se tornado um ídolo?
Kuerten - Eu sei que eu vou ganhar alguns torneios, vou perder outros, não sou nenhum homem de ferro ou de outro planeta.
Acho que isso não é pressão, mas apoio. Você sabe que tem muita gente acompanhando, querendo que tu ganhes, dá força para continuar. Se eu posso dar essa alegria, fazer com que eles comemorem, eu vou tentar ganhar mais para deixá-los mais contentes.
Folha - Você já se enxerga como um grande ídolo?
Kuerten - Não (risos), ainda não. De repente, quando eu chegar ao Brasil, eu vou sentir essa diferença, mas, até agora, não senti.
Folha - Você tem algum plano para investir o seu dinheiro?
Kuerten - Eu estou deixando guardado, já disse que não tem nada que eu queira a mais agora.
Tenho uma boa casa. Com o carro, quando eu estou em Floripa, uso o de alguém da família, eles me emprestam. Eu vou guardar esse dinheiro para alguma emergência.
Folha - Você ainda não tem um carro seu?
Kuerten - Não, por enquanto tenho só um celular e... as minhas raquetes (risos).
Folha - Você tem namorada?
Kuerten - Não. Eu tive namorada uma vez. Durou dez meses, acabamos no final de 96; depois nunca mais tive, nem antes também.
Folha - O tipo de vida que você tem atrapalha relacionamentos?
Kuerten - Ajudar, não ajuda em nada, e às vezes atrapalha.
Se eu consigo ficar longe da pessoa, e se ela aceita que eu viaje tanto. Quando eu estiver mais tranquilo e puder dar condições para que a menina possa viajar comigo, vai facilitar muito. Hoje em dia, é meio difícil.
Folha - E o assédio das mulheres, aumentou bastante?
Kuerten - O cara, sempre quando começa a ficar mais conhecido, tem sempre muito mais gente que tem a possibilidade de me conhecer, né? Se tu cruzas uma mulher na rua e ela nem te conhece, para tu chegares e falar com ela é bem mais difícil. Hoje, muito mais pessoas me conhecem. Antes, se eu conhecia umas 10 mil meninas, hoje eu conheço 100 mil. De repente uma ou duas podem acabar gostando de mim (risos).
Folha - Você é religioso?
Kuerten - Sou, mas não vou muito à igreja. Dizer que sou católico é até demais, porque eu nunca vou à igreja. Eu acredito em Deus, uma pessoa que está lá em cima, olhando por todos nós, para nos proteger.
Eu procuro conversar com Ele todos os dias. Com o meu pai, também, que ele já morreu.
Folha - Você pensa muito nele?
Kuerten - Eu penso nele como se fosse um amigo meu, como se eu estivesse conversando com ele, como se a presença dele estivesse comigo. Ele deve estar superfeliz com os meus resultados, com o que eu sou hoje, não só no tênis, mas com a formação que eu tive. Folha - E como é a relação com seu irmão menor (Guilherme, que é deficiente)?
Kuerten - É bem boa. Ele sente bastante nosso afeto, sorri o tempo todo, une a família. É uma peça fundamental, um cara que, apesar de não ter muita expressão, não decidir muita coisa, está sempre fazendo todo mundo ficar junto.
Há várias pessoas que não conhecem muita gente assim, que acham que é uma coisa distante.
Essas crianças às vezes são até mais felizes, acabam aproveitando mais a vida do que quem tem condições de se locomover, de falar.
Folha - O que a torcida pode esperar de você em Wimbledon?
Kuerten - Eu vou tentar ganhar, como fiz na primeira rodada em Paris. Tomara que esteja todo mundo torcendo para mim, vai me ajudar bastante.
Tenho certeza de que está todo mundo acreditando que eu posso ser campeão. Se eu acabar perdendo, vou saber o trabalho que eu fiz, vou saber que fiz o máximo. Tomara que continue dando zebra.

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