São Paulo, domingo, 22 de junho de 1997
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Che vira santo Ernesto de La Higuera

RODRIGO BERTOLOTTO
ENVIADO ESPECIAL À BOLÍVIA

Médico sem usar branco, ministro sem vestir terno, comandante sem ter insígnia, o argentino Ernesto Guevara, o Che, se transformou, depois de morto, em santo sem ser canonizado.
Segundo a população das localidades bolivianas de Vallegrande e La Higuera (a 250 quilômetros de Santa Cruz de la Sierra), os milagres do guerrilheiro morto há 30 anos vêm aumentando.
"Che é um santo muito milagroso. Tínhamos safras muito ruins nos últimos anos, mas, neste ano, pedimos à alma dele e colhemos muita batata, trigo e milho", afirma o agricultor Pedro Carizale, 30.
Carizale é um dos 165 habitantes de La Higuera, vilarejo onde Guevara foi preso e morto após o fracasso da guerrilha na Bolívia no final de 1967. Em Vallegrande, cidade de mais de 6.000 habitantes e onde o corpo de Che foi visto pela última vez, a devoção é igual.
Mulheres encomendam missas em nome do guerrilheiro na igreja central por três pesos bolivianos (US$ 0,60) e colocam flores na cabeceira da pista de pouso local (onde supostamente ele estaria enterrado) e no hospital Señor de Malta (onde foi velado).
"Umas beatas me recriminaram por crer em Che, me chamando de comunista. Eu não sei o que é isso. Apenas tenho fé que seu espírito faz milagre", diz a aposentada Margarida Calzatilla, 80.
Ateu, Che Guevara escolheu a região para a guerrilha por sua localização geográfica (próxima do Paraguai, Argentina e Brasil) e sua densa vegetação (ideal para o combate guerrilheiro), mas não contava com a falta de cooperação dos camponeses da área, que eram muito religiosos, e com suas associações ligadas a forças militares.
Durante a luta contra as tropas de Guevara, o governo boliviano fez uma intensa propaganda, associando os rivais a hábitos pouco cristãos, como roubar crianças de suas famílias e matar velhos porque não serviam para produzir.
Alguns lavradores, em seus informes aos militares, os descreviam como bruxos, por saberem tudo sobre ele e a região.
Mas, depois de morto, a imagem do revolucionário começou a ser relacionada à de Jesus Cristo.
"Che se sacrificou pelos pobres, amou os povos e morreu injustamente, como Jesus Cristo", afirma a funcionária pública Ligia Morón.
Para os jovens, a santidade não interessa. "Ele virou santo para as senhoras daqui, mas nós queremos resgatá-lo por seus ideais", diz o estudante Edson Hurtado, 17.
Cidade inalterada
A vila de La Higuera, encravada nas serras próximas aos Andes, está quase idêntica àquela em que Che viveu seus últimos minutos.
Continua sem luz e telefone. Água encanada chegou há três anos. No lugar da escola onde ele foi encarcerado e morto a tiros funciona há quatro anos um posto médico, mantido por uma entidade não-governamental de capital alemão, cubano e boliviano.
Em suas paredes, estão pôsteres do guerrilheiro junto a cartazes de como prevenir o mal de Chagas, doença mais comum na região.
"É a melhor homenagem ao Che, já que era um médico", afirma o doutor do posto. "Um orgulho, já que é a única localidade da região com essa estrutura."
A cidadezinha recebe, em média, três turistas por semana, número que se multiplica no dia 8 de outubro, quando se celebram o aniversário de captura de Che e os festejos de santo Ernesto de La Higuera.

LEIA MAIS sobre Ernesto Che Guevara nas páginas 28 e 29

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