São Paulo, terça-feira, 24 de junho de 1997
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Mercado futuro não é especulação e pode ajudar a agricultura

RENATO DINIZ JUNQUEIRA

Quando se fala em Bolsas, a primeira coisa que vem à cabeça do agricultor é especulação. Operar em um mercado complexo como as Bolsas de Futuros, contra agentes econômicos altamente qualificados, é pura especulação com grande chance de perda.
Na verdade, é exatamente o contrário. Quem verdadeiramente especula é o agricultor que não utiliza os mercados futuros para garantir um preço compatível com seus custos. Toma recursos em uma moeda (dólar, TR, real etc.) e aplica em outra (soja, milho, boi etc.), além de ter prazos distintos entre os recursos tomados e a maturação de seus investimentos. E não faz isso por vocação, mas por pura falta de opção.
Ao longo dos últimos anos, como a inflação era crescente, e a TR calculada com base na inflação passada, o custo real do crédito rural (TR + 12% ao ano) era baixo. A defasagem entre a inflação corrente e inflação passada, além do redutor legal, reduzia o juro real. Quando vinha um plano econômico, essa corrente era quebrada ocasionando elevado prejuízo aos tomadores. Os financiamentos eram renovados, e com a volta da inflação se restabelecia a corrente.
Após o Plano Collor e até dezembro de 91, os custos do crédito rural foram levemente negativos, relativamente aos índices inflacionários. A partir dessa data, passaram a ser ligeiramente positivos, até o grande acerto de contas que foi o Plano Real. De juros levemente negativos, o agricultor passou a pagar juros elevadíssimos e ainda assistiu ao preço dos seus produtos despencarem.
O agricultor foi pego de surpresa, sem nenhuma proteção.
A partir daí, o governo agiu no sentido de minorar as agruras do setor. Securitizou grande parte das dívidas vencidas. Soltou a resolução 2.148, a famosa 63 caipira. Aumentou as exigibilidades do crédito rural por meio da manutenção da alíquota de 25% sobre os depósitos à vista engordados após a implementação da CPMF.
Essas medidas pontuais, que deram fôlego ao produtor, aliadas à elevação dos preços agrícolas no mercado internacional, possibilitaram mais uma grande safra, mas não resolveram os problemas de descasamento de moedas e prazos.
Podemos, com a queda da inflação e a estabilização da economia, pensar em novas soluções, distinguindo as necessidades de recursos para investimentos ou custeio e comercialização.
Os investimentos terão que ter recursos de longo prazo, taxas compatíveis e diferenciadas para as áreas que se julgue prioritárias. Para custeio e comercialização é preciso incentivar uma parceria entre investidores privados e produtores rurais, de forma que o setor agrícola possa ter os recursos necessários com custos adequados, e uma redução no atual grande risco de produzir alimentos.
Instrumentos tão conhecidos no interior, como "soja verde" e "boi a meia", combinados com cotações do mercado futuro e aplicadores potenciais, poderão transformar os produtos agrícolas em produtos financeiros.
Cabe a cada setor atuar na área em que é especialista. À agropecuária, o lado físico do processo; aos bancos, fundos e poupadores, o lado financeiro, restando às Bolsas a incumbência da formação dos preços dos mercados futuros que seria o elo de ligação entre os setores.
Alguns dos instrumentos essenciais para a interação desses três setores já foram criados, como a CPR (Cédula de Produto Rural) e o CM-G (Certificado de Mercadorias). Precisam, porém, ser aperfeiçoados para que um setor não assuma riscos inerentes a outro. Imputar um risco não inerente a uma determinada atividade, só encarecerá o produto final.
Por exemplo, a instituição financeira não poderá correr o risco de ter que receber a mercadoria, pois isto não faz parte do seu negócio. Ao mesmo tempo o agricultor que assumiu compromisso equivalente a 1.000 sacas de soja não terá que vender 1.100 sacas para honrar tal compromisso.
Sem precisar prover todos os recursos, que virão da iniciativa privada, restará ao governo a função de adequação de preços e juros, internos e externos, utilizando seus instrumentos de política fiscal e monetária, porém, atuando somente na margem e não no todo.
O importante é viabilizar recursos financeiros a custos compatíveis, aliados a instrumentos de transferência de risco, criando as condições para o essencial e possível aumento da produção rural.

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