São Paulo, terça-feira, 24 de junho de 1997
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Noites de junho

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Hoje é dia de são João, o primeiro e mais importante desafeto que arranjei na vida. Nada contra o santo em si. Comedor de gafanhotos, era também uma voz clamando no deserto -até que teve a cabeça cortada, segundo o Evangelho, pela vingança da mulher de Herodes, segundo Oscar Wilde, pela tara de Salomé, que o amava. Problema deles.
O meu problema é que são João era o rival mais categorizado de santo Antônio. São Pedro era uma espécie de América Futebol Clube, ficava como segundo time dos torcedores de um ou de outro santo. O grande clássico era disputado na véspera de santo Antônio e são João. A 23 de junho havia mais fogueiras nos quintais e mais balões nos céus da cidade.
Eu desprezava a noite de são João. Recusava-me a contar suas fogueiras e balões. Reconhecia que davam aquilo que antigamente chamavam de "lavagem" em santo Antônio. Mesmo assim, todos os anos, de nosso quintal subiam colossos de papel fino e a nossa fogueira tinha, segundo cálculos modestos do pai, a mesma altura da tocha que brilhara no farol de Alexandria. O pai acreditava nisso -e eu também.
Meu consolo era ir à casa do tio Augusto, no Grajaú, que comemorava são João com mais dinheiro e menos entusiasmo. Era com desdém que olhava sua fogueira, pífia fogueira que nem era mais alta do que eu. Nem me dignava a olhar quando o primo Jair soltava balõezinhos japoneses, de meio metro, vagabundos, descorados, anêmicos.
Saboreava a nossa superioridade, afinal, os balões do pai chegaram a ser louvados em "A Noite Ilustrada". Eram dos maiores e mais bonitos da cidade. E dedicados a santo Antônio.
Voltávamos para casa, a noite estava cheia de balões iluminados e silenciosos. Segurando minha mão, o pai tentava contá-los. Nenhum deles tinha a formidável majestade dos nossos. O pai gostava dos balões de são João, não era vantagem, tudo para ele era festa. Eu os odiava. E nunca os perdoei.

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