São Paulo, sexta-feira, 27 de junho de 1997
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Dinossauros a morte veio do céu

TYMOTHY FERRIS
ESPECIAL PARA O "NYT BOOK REVIEW"

Walter Alvarez é professor da Universidade da Califórnia há 20 anos. Durante dois semestres, no começo da década de 90, ele lecionou geologia em North Gate Hall, na sala de aula em frente ao local onde eu dirigia um seminário de pesquisa.
Naquela época, eu costumava atravessar o corredor e entrar pela porta dos fundos da sala onde ele estava para poder ouvir trechos das suas palestras. Consegui aprender um pouco de geologia e adquiri um profundo respeito por Alvarez como professor.
Ele é um ruivo magrelo, com olhos de um azul desbotado e que tem um discurso fácil, que dá a impressão de ser desorganizado, até que se percebe que suas anedotas e rodeios são consequência de uma visão ponderada da sua pesquisa e da geologia como uma parte dinâmica do amplo processo da indagação humana.
Nas suas palestras, ele se apresenta como um filósofo no meio de um trabalho, parando constantemente para perguntar a si mesmo e aos seus alunos o que os cientistas fazem, como aprendem e até que ponto têm justificativas para acreditarem nas histórias que alinhavam e que tanto prazer têm em contar uns aos outros.
Alvarez é muito conceituado nos círculos científicos da Universidade da Califórnia -um mérito em um campus onde vagas do estacionamento estão marcadas com a sigla "GN", reservadas para os ganhadores do Prêmio Nobel.
Até mesmo os alunos que não estão muito interessados nas ciências o conhecem como o homem que descobriu o que matou os dinossauros. Mas, obviamente, a história verdadeira foi um pouco mais complicada.
Alvarez certa vez confessou, no seu estilo comovedor, que estava "um pouco envergonhado" por trabalhar em uma área considerada ciência estagnada, a geologia.
Ironicamente, uma das coisas que fez com que a geologia fosse considerada tão sem atrativos era o hábito de agir como se a causa da extinção dos dinossauros, em vez de ser assumida como uma enorme ignorância científica, pudesse ser escondida atrás de uma nuvem de pomposas generalidades.
"A extinção em massa foi tratada como se não fosse um problema", diz Alvarez em seu novo, inteligente e agradável livro intitulado "T.Rex and the Crater of Doom".
Esse tema era tratado de forma tradicional nos principais livros de texto que declaravam em uma linguagem bem convencida que "fosse qual fosse a causa, o fim do período mesozóico foi uma época de testes", quando muitas espécies "foram colocadas na balança e consideradas deficientes em sua habilidade para se adaptarem ao novo ambiente".
Tudo começou a mudar quando Walter Alvarez, juntamente com alguns dos seus colegas de Berkeley, apresentou a teoria de que o que tinha exterminado os dinossauros tinha sido o impacto causado por um enorme asteróide.
Sua teoria, que no começo foi muito discutida, sobreviveu, acabou transformando a geologia e, finalmente, ajudou a desenvolver noções mais amplas sobre a evolução da vida na Terra.
A teoria alcançou sucesso em 1991, quando foi descoberta uma cratera formada, sem dúvida, pelo impacto fatal. A cratera, denominada Chicxulub se localiza no México.
A história do seu descobrimento teve início nos primeiros anos 70, quando Alvarez estudava a composição de uma camada de rochas que tinha retirado de um desfiladeiro na Itália.
O extrato havia se formado 65 milhões de anos atrás, época em que os gloriosos dinossauros tinham subitamente desaparecido.
O que era estranho é que o material tinha grande teor de irídio, um elemento raro na Terra, mas muito comum em cometas e asteróides. Alvarez pensou no assunto durante um ano e depois desenvolveu a teoria de que o irídio tinha sido espalhado pelo planeta devido a um terrível impacto.
Sua teoria apareceu nas manchetes dos jornais, mas escandalizou muitos geólogos que a consideravam uma nova e indesejável onda de catastrofismo.
O primeiro teste foi verificar se o irídio era simplesmente local ou se era encontrado em extratos da mesma antiguidade no mundo todo, como seria de se esperar caso ele tivesse sido espalhado por um impacto monstruoso.
A teoria sobreviveu ao teste: os extratos escavados na Espanha, Dinamarca, Nova Zelândia e no fundo do Pacífico, na região ao norte do Havaí, mostravam concentrações de irídio extraordinariamente elevadas.
Também o "quartzo impactado", glóbulos, grãos de fuligem e pequenas esferas de silicatos fundidos, todos eles apresentavam traços característicos da existência de um impacto.
Foi então que os geólogos mapearam os contornos fantasmagóricos da sepultada cratera de Chicxulub, e a teoria de Alvarez passou a ser aceita de uma forma tão ampla que, atualmente, a ameaça da morte vinda do espaço forma parte do saber popular. Só neste ano, foi tema de pelo menos três documentários e de um filme para televisão, intitulado "Asteróide".
Como o título engraçado dá a entender, "T. Rex and the Crater of Doom" relata os fatos de uma forma leve e quase brincalhona.
Mas é também um livro científico, uma exposição clara e eficiente que transmite muitos detalhes convincentes sem deixar de lado a sutil interação de pensamento, ação e personalidade que fazem da pesquisa científica uma das mais interessantes atividades humanas.
Um bom exemplo é a discussão de Alvarez sobre dois enigmas encontrados pelos cientistas que investigavam a distribuição global de irídio e de outros resíduos que pensavam ter sido causada pelo impacto de Chicxulub.
Em primeiro lugar, mais resíduos de "quartzo impactado" foram encontrados perto da cratera do que em um local situado na mesma distância na direção leste.
Isso parecia estranho, mas a solução mostrou-se muito simples: o movimento de rotação da Terra tinha deslocado a região do impacto na direção leste, e os resíduos se elevaram e voltaram a cair, de forma que a maior parte do material foi depositado a oeste da cratera.
Em uma situação típica de deslumbramento por excesso de conhecimento, os especialistas demoraram a encontrar a solução, porque muitos deles tinham estudado crateras utilizando como exemplo as da Lua, que tem um movimento de rotação muito mais lento -e portanto não poderia causar um efeito semelhante.
O outro enigma foi que na região oeste dos EUA há dois tipos de ejeto -"quartzo impactado" e rocha fundida- que não estão misturados, mas separados: o quartzo está depositado em uma camada sobre a rocha fundida.
Isso poderia ser explicado se o quartzo tivesse sido lançado do local do impacto em um ângulo muito mais aberto que o ejeto fundido, como era também a solução para o primeiro enigma.
Mas padrões duplos implicam impactos duplos a partir de uma única cratera. Como pode ter acontecido isso?
Alvarez consultou Susan Kieffer, uma especialista em dinâmica de impactos que tinha "estudado todo tipo de processos geológicos de movimento rápido".
Alvarez e Claeys disseram a ela que poderiam explicar "o padrão do 'quartzo impactado' e a camada dupla de ejeto se tivesse havido alguma forma de lançar o quartzo em trajetórias mais íngremes do que as trajetórias que tinham seguido as rochas fundidas". Qual foi a resposta dela?
A região de Chicxulub é rica em calcário que, ao se vaporizar, deve ter liberado uma nuvem enorme de dióxido de carbono. "Deve ter havido não uma, mas duas bolas de fogo gasosas -a primeira, uma nuvem de rocha muito quente e vaporizada, e a segunda, uma nuvem de vapor de dióxido de carbono a uma temperatura menos elevada, produzida por calcário menos impactado."
Alvarez explica: duas bolas de fogo, dois padrões de sedimentação de resíduos. "Foi muito satisfatório ver como os detalhes do impacto iam se encaixando, com precisão, nos seus devidos lugares."
Também é muito satisfatório ler sobre o assunto nessa excelente obra escrita pela maior autoridade mundial sobre a morte vinda do espaço.

Livro: T. Rex and the Crater of Doom
Autor: Walter Alvarez
Lançamento: Princeton Univesity Press
Quanto: US$ 24,95 (185 págs.)

Tradução Maria Carbajal

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