São Paulo, segunda-feira, 30 de junho de 1997
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Traquinagens dos caros colegas

GUSTAVO IOSCHPE
ESPECIAL PARA A FOLHA

Fiquei sabendo que a nova moda agora em Brasília é a coabitação de políticos, dividindo apartamentos como colegiais. Não sei se o motivo é a solidão do poder ou só uma fachada para a gente não pensar que eles andam desviando muita verba. Mas deve ser um convívio engraçado.
- Deputado, passe o sal.
- Pois não, caro colega. E o que eu ganho em troca?
- Como assim?
- E eu sou leso? Vou passar o sal assim, na maior, por quê? Tá achando que eu sou petista comunista pra ficar passando coisa de graça?
- Mas, caro colega, que absurdo...
- Passe o vinagre e a água, que eu te passo o sal.
- Não, aí já é demais. Eu te passo o azeite de oliva, e a gente faz o seguinte: você me passa uma promissória garantindo que eu te devo a passagem de dois condimentos de cozinha. Depois, a gente leva isso lá no 102, que tem aqueles deputados do Acre, e eles já trocam essa nota por um certificado de depósito que dá direito a dois pratos e um garfo, que eles conseguiram lá com o pessoal de Mato Grosso, do 402. E aí a gente conversa com o síndico, racha os pratos com ele e fica com o garfo, e ele usa esse certificado pra justificar a saída da porcelana e dos talheres com o dono do prédio. Feito?
- Feito. A gente usa um prato na cozinha e no outro a gente coloca uma foto do presidente numa daquelas cerimônias em que ele ganha título de universidade estrangeira, com aquelas roupas todas. Aí botamos embaixo os nossos nomes e uma homenagem ao presidente. Tem de ser um negócio bem singelo. Temos de homenagear o homem, mas sem nos rebaixarmos. A gente mostra pra ele que quem manda aqui somos nós, que é pra ele parar de ficar passando medida provisória pro Congresso.
- Tem de ser também uma mensagem desinteressada, pra esse pessoal que fica fazendo fuxico não pensar que a gente está puxando o saco de alguém.
- Perfeito. E tem de ser também um recado forte, que pressione o presidente a mudar a situação do otariado, digo, eleitorado, que nos trouxe até aqui.
- Claro, sem dúvida, nobre colega. E tem de ser também algo que lembre ao presidente a falta de verbas no nosso currado eleitorado.
- Colega!
- Perdão, caríssimo. Vossa Excelência sabe que eu queria dizer nosso curral eleitoral.
- Ah, assim, sim. Com certeza. Ao eleitor, tudo.
- Tudo!
- Ao deputado, nada.
- Nada. Então, como é que fica a mensagem, o recado que o povo de nosso Estado, por meio de seus representantes, passará ao presidente? Que lembrará a agonia de nosso povo, sua falta de recursos...
- Mas sempre mantendo a compostura, excelentíssimo. Não nos curvaremos.
- Claro. Então, fica assim: "Ao nosso querido padrinho Fernando Henrique 2º, o Magnânimo, com os votos de que se lembre de seus nobres servidores da próxima vez que tiver algum negócio polpudo ou precisar de algum voto no Congresso. Humildemente..."
- Brilhante, colega! O povo vai se sentir satisfeito. Ao povo, tudo.
- Tudo!

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