São Paulo, quinta-feira, 3 de julho de 1997
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Comitiva de censores "visitou" show

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DO ENVIADO ESPECIAL AO RIO

A carreira de "Rosa dos Ventos" envolveu périplos como a "visita" de nove censores e o roubo do figurino por um fã entusiasmado. Em entrevista à Folha, Maria Bethânia relembra o espírito que cercava o autodenominado "show encantado" e fala de projetos pós-turnê de "Âmbar".

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Folha - Quais são seus próximos projetos?
Maria Bethânia - Comecei a levantar com Fauzi Arap umas coisas da Clarice Lispector. Eu a conheci em 71, durante "Rosa dos Ventos", e ela escreveu um texto para o meu show. Ficava no meu camarim, conversávamos sobre maquiagem, sobre coisas simples assim.
Tenho vontade de ver na obra dela esse lado, que é menos à mostra. Queria escolher textos e gravar, talvez por um selo pequeno.
Folha - Há o projeto de um disco de canções francesas, não?
Bethânia - Adoro Edith Piaf, Jacques Brel. Não gosto de cantar em outras línguas, mas há umas canções que me apaixonam. Não será um disco de carreira. Não sei quando, tenho que estudar.
Folha - E "Rosa dos Ventos"?
Bethânia - Certamente esse é meu show que, naquele período, fez um bem imenso à humanidade. Isso ficou muito na cabeça das pessoas, pai passa para filho... Virou uma história grande. Como voltei fazendo "Âmbar", que tem a luminosidade e a doçura de "Rosa", as pessoas perguntam muito.
O disco original de "Rosa" é péssimo, foi cortado, editado pela gravadora, mal gravado, um golpe. Não ouço aquilo. Intercalaram músicas lentas e alegres, tiraram o espírito do espetáculo. Briguei, fiquei louca, chorei, não adiantou.
Então tenho vontade de refazer, rever aos 51 anos e fazer como era, ter o disco inteiro, sem cortes. Isso não vai ficar assim, não. Mas para mexer com "Rosa" é preciso ser muito delicado.
Só farei se conseguir uma coisa rara na MPB, que é patrocínio. Tem que comprar e pagar o espetáculo. Queria fazer em lugares públicos, de graça ou por preços populares. Senão, não interessa, não tem sentido fazer "Rosa" para a burguesia. Acho difícil acontecer, mas se eu me zangar, pego e monto, com meu rico dinheirinho, que é ganho para isso.
Folha - Como você conheceu Fauzi Arap?
Bethânia - Ele era ator, eu era louca por ele. Ia todo dia vê-lo em "Dois Perdidos numa Noite Suja". Chamei ele para dirigir "Comigo Me Desavim", em 67. Era um show muito pobre, todo em preto-e-branco, luz e sombra. Lia um texto enorme de Clarice Lispector, de dez páginas, aos gritos.
Folha - "Rosa dos Ventos" era um show agressivo?
Bethânia - Era o contrário. Quando estreamos, alguns atores do Arena nos criticaram por termos feito um espetáculo doce, tão fora da guerrilha. Flávio Império criou um estandarte para a porta do teatro da Praia, Caetano e eu, o Sol e a Lua. Era gigantesco, feito de chita, um manifesto político.
Folha - Houve censura?
Bethânia - Lembro que no ensaio geral foram nove censores, todos sentados na primeira fila. Iam ver se liberavam para 18 anos.
Quando acabou, um deles disse assim: "Dona Maria Bethânia, muito bem. Vim aqui liberar a senhora para as crianças". Ele chorava quando terminou o ensaio.
Folha - Você se lembra de algum episódio curioso de "Rosa"?
Bethânia - Um dos meus figurinos foi roubado em São Paulo, por um fã. Depois a mãe dele me escreveu uma carta explicando que ele gostava muito de mim, que tinha o vestido guardado em casa. Foi um ataque de amor.

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