São Paulo, sábado, 5 de julho de 1997
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Na busca da igualdade

WALTER CENEVIVA

Corre no jargão dos trabalhadores do direito que o juiz é um escravo da lei. Talvez, nos tempos das leis estáveis, do direito quase imutável e não-mudado no espaço de um século, a frase fosse verdadeira. Mas passou a ser falsa nestes dias de acelerada mudança científica, econômica, política, cultural.
Além de aplicar a lei, o Poder Judiciário também está comprometido, histórica e moralmente, com "a preservação dos valores fundamentais que protegem a dignidade da pessoa humana. Os magistrados não podem prescindir, na sua atuação institucional, da necessária observância de um dado essencial que se exterioriza na preponderância do valor ético fundamental do homem", segundo disse, com absoluta propriedade, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Celso de Mello, cujas idéias aproveitei numa série de comentários, terminada hoje.
Os problemas inerentes ao exercício da liberdade individual devem ser vistos, na ótica proposta por Celso de Mello, tendo o ser humano como seu referencial. Por essas razões, diz o presidente do Supremo, a agenda institucional da magistratura deve ser ampliada, até "para que, no contexto da discussão social sobre a reforma judiciária, possam nela ser incluídos outros temas de inegável importância para a sociedade civil", um dos quais, anota ainda o ministro, consiste "em debater a questão essencial dos direitos básicos da pessoa humana".
Quando referi a crítica ao juiz-escravo-da-lei tive presente não apenas os tempos de mudança, que são globais, mas também -especificamente, quanto ao Brasil- as atuais condições de vida de nossa população, depois de mais de 30 anos de inflação e de concentração urbana. Daí o aplauso à palavra do presidente do STF, ao sustentar a missão irrenunciável "do juiz digno e consciente de seus deveres éticos, políticos e jurídicos, no desempenho da atividade jurisdicional", para defesa dos direitos humanos.
Celso de Mello lembra dos "marginalizados pela iniquidade da exclusão social", cujo número tende a crescer dramaticamente na "impossibilidade de sequer postularem a proteção jurisdicional do Estado". A assertiva do ministro é de grande importância, pois a realidade inquietante mostra que muitos do povo não têm acesso ao Judiciário, por razões econômicas e culturais.
Ao reconhecer essa realidade, Celso de Mello recorda que "no seio de uma sociedade fundada em bases democráticas e regida por importantes postulados de ordem republicana, nada -o ministro põe muita força nesse "nada"- pode justificar a exclusão de multidões de pessoas do acesso essencial à jurisdição do Estado".
Na série desses comentários procurei divulgar o pensamento do magistrado e, mais que isso, do cidadão José Celso de Mello Filho. Abarcou extensa gama de problemas enfrentados pela magistratura, no conjunto dos problemas do Estado. Ele se preocupa com que, para expressivos contingentes brasileiros, os grandes princípios constitucionais pareçam distantes da realidade. Assim é inadiável, como programa de governo, que se democratize o acesso à Justiça estatal, de modo que os injustamente excluídos possam livrar-se dessa condição, permitindo "que o postulado da igualdade -fundamento verdadeiro do processo de construção da cidadania- tenha, finalmente, plena, consequente e definitiva realização".

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