São Paulo, domingo, 6 de julho de 1997
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Hipertensão é maior entre negros

NOELLY RUSSO
DA REPORTAGEM LOCAL

Quando os portugueses trouxeram negros da África para trabalhar como escravos no Brasil e em outras partes do mundo, estavam trazendo, sem saber, homens e mulheres capazes de sobreviver às longas viagens intercontinentais em navios negreiros.
Os sobreviventes chegavam ao país porque, possivelmente, tinham mais capacidade de reter água em seus organismos, escapando de desidratações que dizimavam os mais fracos. Séculos depois, os herdeiros desses sobreviventes são ameaçados por essa predisposição genética, que teria salvado os seus ancestrais.
A capacidade de populações negras reterem mais água no organismo e, consequentemente, reterem mais sal, é uma das hipóteses que tentam explicar por que o índice de hipertensão em negros é maior do que em brancos em todo o mundo.
A prevalência de hipertensão entre as populações negras chega a ser duas vezes maior do que em brancos ou mulatos. A chamada hipótese genética vem sendo discutida por cardiologistas de todo o mundo, inclusive do Brasil.
A hipertensão é tida hoje como uma das principais causas para a ocorrência de um infarto ou derrame. É uma doença crônica que mantém a pressão sanguínea permanentemente alta (veja quadro nesta página).
Prevalência
Estimativas apontam prevalência da doença entre 15% e 20%, em média, na população mundial. Entre populações negras, o percentual pode chegar a 30% ou mais.
"A hipótese de que os negros têm maior propensão à hipertensos não é descartada, mas é preciso também levar em conta a qualidade de vida dessas populações, que em geral, são piores", diz Keith Ferdinand, diretor médico do Heartbeats Life Center e professor-adjunto de Clínica Farmacológica da Universidade de Nova Orleans, nos Estados Unidos.
"Ainda não é possível afirmar que a causa desses altos índices seja exclusivamente genética. Por outro lado, a "hipótese dos sobreviventes" não deve ser descartada. Atualmente, o que pode ser dito é que os negros têm maior predisposição para desenvolver hipertensão se estiverem inseridos em um ambiente favorável."
Para o professor-titular de clínica médica da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp, antiga Escola Paulista de Medicina), Arthur Beltrame, existe realmente uma predisposição genética entre os negros. "As doenças cardiovasculares têm se tornado cada vez mais sérias nos países em desenvolvimento. A hipertensão é uma das doenças que pode resultar em problemas no coração. Entre os negros, a prevalência é maior."
Genética e ambiente
Um estudo realizado por Ferdinand (veja quadro nesta página) mostra que se um mesmo grupo étnico for submetido a diferentes ambientes, desenvolverá mais ou menos hipertensão.
"Nos Estados Unidos, as condições em que vivem os negros levam a um quadro mais sério. Por exemplo, os negros norte-americanos comem muito sal e muitas vezes ingerem álcool, que também interfere na pressão, além de serem obesos. Já na Nigéria, o consumo de sal é menor, como são o acesso ao álcool e os casos de obesidade. Provavelmente, se os nigerianos fossem submetidos à mesma dieta dos norte-americanos, desenvolveriam hipertensão", diz Ferdinand.
Resultados semelhantes foram encontrados por estudo realizado no Brasil por Beltrame. Segundo seu levantamento, a prevalência de hipertensão foi de 29,2% entre os negros, 18,8% entre os mulatos e 16,9% entre brancos.
O estudo foi realizado com 5.470 trabalhadores, entre 15 e 67 anos, de 57 empresas diferentes, escolhidas ao acaso, na região do ABCD (Grande São Paulo). Segundo ele, os fatores ambientais também devem ser considerados nesse caso.
Um terceiro estudo confirma a ação do meio ambiente sobre a carga genética. Terrence Forrest, diretor da Unidade Tropical de Pesquisa do Metabolismo, da Universidade de West Indies, Jamaica, comparou a prevalência de hipertensão entre nigerianos, jamaicanos e norte-americanos. Os números encontrados foram respectivamente 14,7%, 18,4% e 31,3%.

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