São Paulo, domingo, 6 de julho de 1997 |
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Parceiro de Lynch lança memórias Barry Gifford escreveu com Lynch 'A Estrada Perdida' ADRIANE GRAU
Sentados em velhas poltronas banhadas pela suave luz das janelas com vista para os telhados vizinhos, Barry Gifford e David Lynch passaram alguns meses escrevendo a quatro mãos as idas e vindas de Renee e Fred Madison, personagens centrais do filme. O escritor Barry Gifford trabalha há quase 20 anos nessa rua pacata da cidade universitária de Berkeley, ao norte de San Francisco. Foi lá que criou também o romance "Coração Selvagem", início da saga de Sailor e Lula. E foi lá que fez as pazes com o passado, escrevendo o livro de memórias chamado "Phantom Father", sobre seu pai que, morreu quando ele tinha 12 anos e era ligado à máfia de Chicago. Na era dos computadores, Gifford escreve a mão. "Uma das coisas que me atraiu em me tornar um escritor é que tudo o que preciso é de um bloco e de uma caneta", diz ele, que gosta de escrever em cafés e quando está viajando. Ex-caminhoneiro e ex-marinheiro, Gifford é casado com a paisagista Mary Lou, que administra seus negócios e tem dois filhos naturais e dois adotados. Chegou a San Francisco em 1967 para pegar um navio para a Índia e nunca mais deixou a região. Ele recebeu a reportagem da Folha no legendário escritório que já foi tema de documentário e reportagem da revista "Vanity Fair". * Folha - Como Lua e Sailor, os personagens de "Coração Selvagem" e mais dois romances, se formaram em sua cabeça? Barry Gifford - Bom, eu me apaixonei por eles. Acho que eles são um filtro maravilhoso para a realidade. É uma longa história. Quando eles têm 60 anos, Sailor morre. No meu último romance, "Baby Cat Face", eles aparecem de novo, mas, antes de "Coração Selvagem", quando são adolescentes e Lula está na escola ainda. Folha - A vida deles parece tomar parte da sua. Quando começou? Gifford - Em 1988 comecei a escrever e em 1991 já estavam todos publicados. Escrevi tudo de uma vez, em 800 páginas. Folha - Com que frequência você pensa neles? São como pessoas reais? Gifford - Absolutamente. Nunca sei o que vai acontecer em seguida. A cada dia eles pensam e fazem coisas diferentes. Tudo para mim surge nos diálogos. Tudo é espontâneo, mas não sou muito analítico a esse respeito. Eu gosto de me surpreender. Folha - Seus arquivos foram comprados pela Universidade de Stanford. Não é muito cedo para isso? Gifford - Com certeza agora está na melhor casa que poderia ter. Meu filho estudou direito em Stanford. De qualquer forma, é apenas parcial. Mas David Bowie vendeu suas músicas por US$ 50 milhões recentemente e temos mais ou menos a mesma idade. Se bem que tenho de confessar que Bowie tem mais dinheiro que eu. Folha - Adaptação de seus personagens para o cinema decepciona? Gifford - Não. Em "Coração Selvagem", os atores fizeram um trabalho maravilhoso. Laura Dern e Nic Cage estavam numa época muito boa em suas vidas. Souberam manter a integridade dos personagens por causa de David Lynch. Filme e livro sempre são diferentes, mas estes trouxeram coisas novas, que eu gostei. Folha - Qual seu personagem preferido? Gifford - "Perdita Durango" é o personagem mais forte. Tive de mantê-la sob controle em "Coração Selvagem". Neste filme ela é interpretada por Isabela Rosselini. Ela me domina tanto que, quando David Lynch me pediu que escrevesse o roteiro de "Coração Selvagem", não pude. Folha - Quando fica pronto o filme "Perdita Durango"? Gifford - No final do ano. Foi dirigido por Alexis de La Iglesia, o espanhol que fez "El Dia de La Besta" no ano passado e é protegido de Pedro Almodovar, que é muito meu amigo. Rosie Perez é a estrela. Foi filmado no Arizona, em Las Vegas e no México e eu escrevi a música-tema, "Bonita Perdita". Folha - Como surgiu a colaboração com David Lynch? Gifford - Ele leu o manuscrito de "Coração Selvagem" e meu ligou. O produtor Marty é um velho conhecido. Quando eles estavam a caminho de Washington para filmar o início de "Twin Peaks", parou para uma visita. Perguntou se eu tinha alguma coisa para ele ler e entreguei "Coração Selvagem" fazendo-o jurar que não mostraria a ninguém. Acabou lendo e me ligando na manhã seguinte dizendo que queria fazer o filme. O resto é história. Folha - Você se sente exposto em "The Phantom Father"? Gifford - Suponho que escrever um livro como este seja para descobrir quais são meus sentimentos. Você não acha? Não sou muito analítico. Mas o livro é sobre a ausência do pai e sobre a impressão que ele deixou em minha vida. Há um sentimento que me faz querer descobrir quem sou e por que me comporto dessa maneira. Fui muito inspirado pelo livro de Roland Barthes chamado "Roland Barthes", que acaba sendo dominado pela história da mãe. Fiz o mesmo, recriando a voz de minha mãe após muitas conversas. Folha - O que você está fazendo? Gifford - Terminando o roteiro da estréia de Matt Dilon na direção. Acontece no Camboja e na Tailândia, é tudo o que posso dizer. Escrevemos a história juntos. Conheço ele desde que tinha 18 anos e me telefonou para dizer que gostava dos meus livros. Estou também escrevendo peças curtas com David Lynch. E em breve publico "Border Town" sobre uma viagem pela fronteira com o México realizada no ano passado. Filme: A Estrada Perdida Produção: EUA, 1996 Direção: David Lynch Elenco: Bill Pullman, Patricia Arquette e Robert Blake Onde: em cartaz no Espaço Unibanco 5 Texto Anterior: Entenda a hipertensão; Saiba o que significa a medida de pressão Próximo Texto: Sesc mostra Gismonti 'impressionista' Índice |
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