São Paulo, sábado, 12 de julho de 1997
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A lei não muda a realidade

GUILHERME PALMEIRA

Supor que a legislação eleitoral vá mudar hábitos e costumes integrados à cultura política brasileira é, no mínimo, ingenuidade. É a realidade que está moldando os novos padrões culturais de nosso sistema político.
A TV, a cobertura jornalística e a informação são mais importantes do que a presença física do candidato.
Aqui, como na maior parte do mundo civilizado, a lei é apenas o balizamento ético que tem por objetivo conter os abusos, assegurar a igualdade de oportunidades e evitar que o uso da máquina administrativa influencie o eleitor no momento do voto. Ela se torna necessária porque esta é a primeira vez, no regime republicano, que vamos experimentar a prática da reeleição.
Nessas condições, é imprescindível que, no período eleitoral, seja ele de 30, 60 ou 90 dias, se evite que a inauguração de obras, serviços e melhoramentos financiados com recursos públicos seja transformada em instrumento de candidaturas, sejam elas de ocupantes de cargos executivos ou não.
Isso, no entanto, não deve impedir ou condicionar a marcha normal da administração, em cuja rotina se inserem as inaugurações.
Mais importante do que permitir ou proibir a presença dos candidatos é tornar as eleições um ato cívico e político que não altere a normalidade do país. Para tanto, é necessário reduzir o período de campanha aos limites do tolerável. Na Alemanha e na França, no Reino Unido e na Espanha, por exemplo, ele varia entre 15 e 30 dias.
O projeto ora em discussão na Câmara é um avanço em relação à atual legislação, ao reduzir o período da propaganda gratuita de 60 para 45 dias, ainda que o ideal seja não exceder um mês.
Mas, ao mesmo tempo, necessita de aperfeiçoamentos, na medida em que disciplina questões como a propaganda via Internet ou via TV a cabo, o que contraria a tendência internacional, na medida em que ambos ainda são no Brasil, como na maioria dos países, meios de comunicação de uso extremamente limitado.
Não vejo por que supor que o eleitor brasileiro, que historicamente tem demonstrado maturidade, equilíbrio e enorme senso de responsabilidade cívica, deva ser politicamente tutelado com regras, normas e disposições que não têm o condão de influenciar o seu voto.
A esse respeito, concordo com o presidente Fernando Henrique Cardoso quando este adverte que o abuso do poder econômico e da máquina administrativa produzirá, fatalmente, mais efeitos negativos do que benefícios para quem insistir nessas práticas.
A questão em aberto, tanto no Brasil quanto nas democracias mais avançadas de todo o mundo, hoje, é o uso da influência do poder econômico.
É no aprimoramento do financiamento das campanhas, seja ele público ou privado, que reside o grande desafio de compatibilizar uma democracia livre, igualitária e competitiva com os imperativos da independência que deve ser a base de uma representação política democrática, sintonizada com as aspirações da opinião pública. Nesse sentido, ainda temos muito a avançar.
Toda essa discussão, porém, extremamente salutar, mostra a vitalidade da democracia brasileira e evidencia a enorme necessidade que temos de dedicar mais atenção e empenho ao tema das reformas políticas, o mais transcendente e mais importante para a modernização institucional do Brasil.

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