São Paulo, domingo, 13 de julho de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A revolução dos bichinhos

MARCELO REZENDE
DA REPORTAGEM LOCAL

"Às vezes você tem que dar um corretivo nele. Você faz isso apertando um botãozinho", fala Fernanda Mazili, uma menina de 7 anos da classe média de São Paulo, sobre Lili e Lalá, o nome que deu aos seus mascotes.
Assim como outros 5 milhões de japoneses e 50 mil brasileiros desde abril -segundo a distribuidora Samtoy-, Fernanda está vertiginosamente atraída pelos Tamagotchis e seus similares: criaturas eletrônicas preparadas para serem os perfeitos e intrigantes seres de estimação do fim de século.
Lançados no Japão em novembro do ano passado pela Ban Dai, uma empresa de jogos eletrônicos, os Tamagotchis rapidamente passaram de diversão eletrônica a fenômeno social, criando filas enormes de espera, gerando, depois que o brinquedo esgotou nas lojas, roubos, um mercado negro e desespero entre aqueles que ansiavam por alimentar ou cuidar de um animal virtual.
Uma pequena tela de cristal líquido circundada por plástico colorido -cabendo ma palma da mão de uma pessoa adulta- mostra a imagem, feita de pontos cinza, de um ser que se assemelha a uma galinha (ou ainda, para muitos, um inseto), um pouco como as imagens vistas nos video games, hoje obsoletos, de primeira geração.
À maneira de um gato ou um cachorro, o Tamagotchi necessitará dos cuidados básicos para que consiga crescer. E isso inclui, além de alimento, higiene e limpeza, também atenção, carinho e amor maternal.
Por meio de botões próximos ao visor, o dono, pai, mãe, companheiro ou parceiro de um Tamagotchi, pode dar a quantidade de devoção que pensa ser necessária.
A armadilha -ou magia- do brinquedo está na idéia de que o objeto não se submete ao seu proprietário, mas o inverso. Um Tamagotchi está programado para ser uma criança, não respeitando o tempo ou as responsabilidades externas daqueles que cuidam de seu bem-estar.
Não importa o momento do dia ou da noite, ele sempre lançará um sinal sonoro -seu choro- para indicar que algo lhe falta. Se for ignorado, ou receber apenas cuidados esporádicos, ele morrerá.
É assim, então, que os Tamagotchis se distanciam de outros fetiches tecnológicos, como a agente Lara Croft, uma mulher erotizada e heroína do Tomb Raider, um jogo eletrônico que se tornou um símbolo sexual para adultos.
Ao contrário de Laura, um Tamagotchi não precisa ser apenas adorado ou cultuado como moda. Precisa antes -ainda que isso pareça estranho- ser amado.
Depois do Japão, Europa e América do Sul, a Ban Dai quer agora tomar o mercado norte-americano (no Brasil, as lojas que recebem o produto por contrabando, e não de seu distribuidor oficial, a Samtoy, chegam a vender, em média, 50 unidades por dia). A campanha promocional teve início em maio, em San Francisco e Nova York. No mês passado, os Tamagotchis se espalharam por todo os EUA.
Os executivos japoneses sabem que, ao contrário do lugar onde foram criados, os Tamagotchis terão que enfrentar uma cultura voltada para o entretenimento e a dispersão, competindo, no imaginário infantil, com heróis de ação e os desenhos da Disney no cinema, como o mais recente "Hércules" (leia texto à pág. 5-9).
Mas, curiosamente, a estratégia comercial de "Hércules" e Tamagotchis se apóiam em um mesmo esquema: conseguir que um produto originalmente criado para crianças transborde o seu próprio território e passe a ser consumido, quase selvagemente, pela parcela adulta. Aquela capaz de fazer de um brinquedo uma subcultura.
O primeiro caso contra o "animal virtual" surgiu também no Japão, no início deste ano, quando uma menina de 8 anos se matou depois que seu Tamagotchi morreu em consequência de um descuido.
No mesmo período, por pressão de vários proprietários, a Ban Dai criou uma creche para aqueles que não tinham com quem deixar seus Tamagotchis e temiam por sua saúde. Um grupo, segundo a imprensa japonesa, formado, em sua maioria, por adultos que costumam consultar analistas especializados em "depressão por Tamagotchi".
Outro consolo foi a criação, na Internet, de um cemitério virtual, onde uma pessoa pode registrar e visitar o túmulo de seu animal eletrônico desaparecido.
Nos Estados Unidos há ainda uma agência de adoção, onde pessoas descrevem o Tamagotchi ideal (cor, comportamento), e a pequena empresa tenta encontrá-lo.
Quanto à menina Fernanda, e também aos seus amigos André e Giovanna, seu ato mais transgressivo é levar Lili e Lalá para a escola (que proíbe os bichinhos) e mantê-los escondidos entre suas coisas. Não confia em nenhum adulto para cuidar do que é seu.
Fernanda jamais teve um animal real -"sou alérgica"- e acrescenta que não se importa que um Tamagotchi não possa pular em seu colo ou lamber seu rosto.
Brinca ainda com bonecas, mas são os virtuais que habitam a casinha. Não consegue imaginar o que seus filhos poderão estar manipulando no futuro, mas acredita que jamais se livrará dos Tamagotchis, mesmo depois de adulta. Para Fernanda, trata-se de uma missão.

Texto Anterior: O QUE LER
Próximo Texto: De olho vidrado no próprio bem-estar
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.