São Paulo, domingo, 13 de julho de 1997
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Fumo: proibir ou educar?

ANTONIO ERMÍRIO DE MORAES

O presidente Bill Clinton ameaça implodir o acordo que as empresas de tabaco querem obter para acabar com a enxurrada de processos movidos por fumantes. Elas reservaram US$ 368 bilhões para indenizar os estragos causados na saúde. E desejam a garantia de não serem mais processadas.
O uso do cigarro atingiu proporções monumentais. Dados da "The Economist" de 11/5/96 revelaram que o mundo fuma 15 bilhões de cigarros por dia! Só os americanos consomem mais de 1 bilhão. Essa é uma das indústrias mais prósperas. A Philip Morris fatura US$ 36 bilhões anuais.
É uma briga de leões. Milhões de pessoas de um lado e bilhões de dólares de outro. Os americanos vêm tentando condenar as empresas desde 1950, quando os primeiros estudos epidemiológicos revelaram uma associação entre fumo, câncer e doenças cardíacas.
Os reclamantes nunca tiveram êxito. As empresas questionaram a relação causal entre fumo e doenças argumentando, ainda, que ninguém é obrigado a fumar: a escolha é livre. A questão é de alta complexidade jurídica, pois a Constituição garante a liberdade de escolha. É proibido proibir.
Em 1966 o Ministério da Saúde passou a exigir a impressão de um alerta nos maços de cigarros. As empresas "engoliram" a determinação, mas usaram-na a seu favor argumentando que, com o alerta, os fumantes ficaram conscientes do risco que correm -não havendo motivo para reclamar. A controvérsia jurídica se complicou, em lugar de simplificar.
Nos últimos anos as ações buscaram demonstrar que as doenças causadas pelo fumo estão aumentando as despesas da saúde pública. Os contribuintes -fumantes e não-fumantes- tornaram-se vítimas do fumo, o que não é justo. Surgiram também as ações coletivas ("class actions") por meio das quais um fumante, em nome de todos os fumantes do país, passou a processar as empresas de cigarros.
Ao estimar os prejuízos dos contribuintes e dos fumantes, as empresas de cigarros se assustaram com a possibilidade de indenizações impensáveis. Ademais, estudos recentes comprovaram a nocividade do fumo. Daí a idéia do acordo.
Esse acordo, que depende do Congresso americano, parece ter poucas chances de sair. Assim como os indivíduos têm a liberdade de fumar ou não fumar, a Constituição lhes garante o direito de processar ou não processar quem lhes cause mal. A resolução da controvérsia está longe de um horizonte previsível.
É provável que esse debate chegue ao Brasil. Se é tão difícil resolver o problema juridicamente, o que fazer? A única coisa que resta é educar de maneira regular e contínua, a partir dos primeiros anos de escola, até o fim da vida.
Parece importante incutir nas pessoas os perigos do fumo e ensiná-las a exercer a sua liberdade priorizando a saúde, afastando-se de todo tipo de droga. É um caminho penoso, sem dúvida. Mas é a única maneira de mudar uma atitude dentro de um regime de liberdade. Democracia é isso.

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