São Paulo, quarta-feira, 16 de julho de 1997
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O mérito dos sapos

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Deus é testemunha do meu horror pelos sapos. Sei que são inofensivos e, segundo a suspeita opinião de meu pai, que gostava de todos os bichos (inclusive do homem), os batráquios são fertilizadores do solo e trazem sorte.
Certa vez, em criança, saí de um banheiro, nu e ensaboado, porque um sapo apareceu pelo ralo. Tantos anos passados, quando penso nesse lancinante passo de minha biografia, sinto um frio na espinha.
Se o inferno é povoado pelos pesadelos pessoais, o meu inferno não terá chamas nem demônios, mas sapos -uma saparia que me espreitará com seus olhos opacos e repugnantes, sua fria pele esverdeada, seu design pré-diluviano.
Quando li que o finado Nereu Ramos havia dito que a política é a arte de engolir sapos, tive tamanha náusea que corri ao banheiro para vomitar. Depois vim a saber que a frase, antes de ser proferida pelo antigo prócer (esta palavra também me dá náusea, mas menor), já havia sido formulada pelos gregos -que já disseram tudo o que valha a pena ser dito. Não sei até que ponto a imagem colaborou para que tomasse pavor da política, um pavor fisiológico, letal.
Certa vez, quiseram me fazer candidato, eu trabalhava num jornal que acabou elegendo quatro deputados, dois federais e dois estaduais. Eu teria alguma chance -foi o que me afirmaram alguns próceres da época.
Recusei-me a pensar na hipótese, aleguei nobres motivos, não desejava capitalizar minha posição de jornalista e perseguido político pedindo ao povo que me desse um emprego para compensar o que perdera quando me demiti do jornal.
Engoliram a explicação. Mais, louvaram-me o desprendimento e me deixaram em paz. Por Júpiter! Pouco me incomodava a posição que assumira, o oportunismo eleitoral, a velhacaria carreirista. Tiro de letra esses empecilhos ditos morais. O meu problema era a imagem do sapo entrando-me pelas goelas. Com isso a nação lucrou, livrando-se de um péssimo deputado.

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