São Paulo, quinta-feira, 17 de julho de 1997
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As dúvidas que ficam

CELSO PINTO

A forte alta das bolsas ontem acalmou os ânimos. Ficou, contudo, uma questão em aberto: estaremos sujeitos a novas ondas de nervosismo nos próximos meses?
Mesmo antes da agitação atual, a expectativa do mercado (e do próprio governo) era de um nervosismo maior em relação ao Brasil, especialmente no próximo ano. Se os déficits externos continuarem crescendo, crescerá também o temor que o futuro presidente, seja ele Fernando Henrique ou não, aproveitará o início de um novo mandato, em 1999, para corrigir o câmbio.
A crise monetária asiática reforçou a dúvida. Como diz um economista do FMI, em Washington, "existe um sinal de alerta claro para o Brasil". A crise, diz ele, derrubou antigos tabus de que altas taxas de crescimento e forte ingresso de investimentos diretos eram garantia contra crises externas.
"Alguns fundos especulativos sentiram o cheiro de sangue", diz o diretor de um banco americano em Nova York. "Atacaram, ganharam dinheiro com isso e é possível que voltem a atacar nos próximos 12 meses."
Não que ele ache que apenas meia dúzia de especuladores possam derrubar uma moeda. O grosso do movimento de baixa da moeda local, diz ele, é provocado por movimentos defensivos das empresas: temendo uma desvalorização, elas buscam se cobrir nos mercados futuros comprando dólares. Os fundos especulativos entram quando percebem que são grandes as chances de sucesso contra a moeda. Ataque e defesa, juntos, acabam derrubando a moeda.
Ninguém está prevendo um ataque bem-sucedido contra o real a curto prazo, ou, menos ainda, uma máxi voluntária decidida pelo governo tão perto da eleição presidencial. Com US$ 59 bilhões de reservas e US$ 70 bilhões de ativos a privatizar, o Brasil pode comprar mais tempo na sustentação da atual política cambial.
Mesmo os mais otimistas, contudo, não negam as dificuldades. Um exemplo: a nota feita ontem pelo banco americano Morgan Stanley.
O banco argumenta que o Brasil é menos vulnerável que os países asiáticos. O crédito doméstico na Tailândia equivale a 139% do PIB, enquanto no Brasil é de 38%. As reservas brasileiras cobrem mais meses de importações do que as da Tailândia, Malásia e Filipinas.
Aplicações externas em ações e renda fixa no Brasil equivalem à metade das reservas. No México antes da crise de 94 elas equivaliam a quatro vezes as reservas. É improvável, diz o banco, imaginar que o Brasil poderia "derreter" como o México.
No entanto, o Morgan Stanley lembra que o Brasil tem uma moeda sobrevalorizada e "déficits gêmeos" elevados: o externo e o interno. Embora suponha que o Brasil conseguirá acertar-se sem um trauma maior, o banco prevê ajustes na política cambial.
O banco calcula que o real está sobrevalorizado em 15% e imagina que o governo será levado a tentar corrigir esta diferença acelerando as desvalorizações de forma que o câmbio real ganhe 5% a cada ano, nos próximos três anos. A desvalorização deste ano ficaria em 9,7% e a do próximo em 12,3%.
"Para o Brasil superar as vulnerabilidades de uma moeda sobrevalorizada e dos déficits gêmeos nas contas fiscais e no balanço de pagamentos, o governo de (Fernando Henrique) Cardoso terá que manter a confiança dos investidores domésticos e internacionais", diz a nota. "Isto muito provavelmente significa que, se os mercados financeiros continuarem voláteis, nós veremos uma forte alta nas taxas de juros, pelo menos a curto prazo".
Cada um tem sua aposta. Igor Cornelsen, um experiente investidor internacional e ex-dirigente de bancos externos no Brasil, liquidou há algum tempo suas posições no Brasil e está convencido que uma desvalorização será inevitável nos próximos meses.
A razão principal é a fragilidade externa. Tailândia, Indonésia, Filipinas e Malásia, diz ele, têm em conjunto um déficit em conta corrente de US$ 22 bilhões, exportam US$ 220 bilhões ao ano e suas moedas sofreram. O Brasil terá um déficit de US$ 35 bilhões este ano e exportará apenas US$ 50 bilhões.

E-mail: CelPinto@uol.com.br

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