São Paulo, domingo, 20 de julho de 1997
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Globo 'ignora' mudança de Casoy

FERNANDO DE BARROS E SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

As Organizações Globo acusaram a sua preocupação com a transferência de Boris Casoy do SBT para a Record antes mesmo de o jornalista estrear na nova emissora, na última segunda-feira.
Domingo passado, o caderno de TV do jornal "O Globo", que tem por costume noticiar o que se passa nos vários canais, não trazia uma só linha a respeito de Casoy.
À primeira vista, a Globo não tem com o que se preocupar. No seu primeiro dia, o novo "Jornal da Record", ancorado por Casoy, oscilou entre sete e dois pontos de audiência, contra uma média de 42 pontos do "Jornal Nacional". O "TJ Brasil", do SBT, apresentado por Hermano Henning, alcançou dez pontos no seu pico.
Casoy mudou de emissora, mas nada aconteceu. Até ele permanece o mesmo. Soltou logo no primeiro dia o "isso é uma vergonha!" -seu bordão característico. Entre todos os apresentadores de telejornais, ele é, apesar da sua baixa audiência, o que melhor traduz o modo de ser e pensar da classe média. É indignado, invariavelmente moralizante ou moralista, quase sempre conservador.
A entrevista de estréia, com o empresário Antônio Ermírio de Moraes, veio corroborar essa imagem. Nas opiniões que emite, na maneira com que se veste, na credulidade que manifesta a respeito das pessoas e do país e até mesmo no jeito meio ranzinza e birrento de reclamar, Ermírio é a classe média encarnada, a despeito de estar alguns tantinhos acima dela.
"Espero que seu programa represente para a Record o mesmo que a Revolução Francesa significou para o mundo", disse no ar o empresário, numa menção óbvia à má imagem pública do dono da emissora, o bispo Edir Macedo, que Casoy teria por tarefa senão apagar, ao menos amenizar. Nem o âncora resistiu à comparação e sorriu -cena rara.
Mas o assim chamado "padrão Globo de qualidade" tem como contrapartida a pasteurização do "Jornal Nacional", que, apesar das reformas cosméticas por que passou nos últimos tempos, continua engessado numa espécie de burrice congênita que ao longo dos anos foi se tornando consensual -algo como uma "voz oficiosa do Brasil".
É como se o "JN" condenasse todos os telespectadores a ter a mesma aparência robotizada de seus apresentadores, que atuam à frente daquele cenário de inspiração futurista como se estivessem impedidos de pensar.
Nesse sentido, Boris Casoy, Paulo Henrique Amorim na Bandeirantes e outros programas da TV Cultura, como os telejornais, o "Roda Viva" e o "Opinião Nacional", apesar de todos as suas carências e defeitos, acabam tendo uma missão quase pedagógica na televisão.
É verdade que esses programas brigam por migalhas de audiência e têm, por assim dizer, um efeito apenas residual sobre a opinião pública. Seria preciso que o país fosse outro para que as coisas fossem diferentes. Feitas as contas, está certíssima a bonita voz da vinheta, quando nos lembra feliz: "quem tem Globo, tem tudo".

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