São Paulo, sexta-feira, 25 de julho de 1997
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Alagoas: prós e contras de uma intervenção

MAILSON DA NÓBREGA

É amplamente sabido que a intervenção federal em Alagoas prejudicaria o processo de reforma do Estado, pois a Carta Magna não poderia ser emendada durante sua vigência (artigo 60, parágrafo 1º, da Constituição). Seria uma ameaça ao Plano Real.
Mas a situação em Alagoas atingiu tal descalabro que segmentos da sociedade, incluindo esta Folha, têm defendido a intervenção.
As vantagens seriam o exemplo -que desestimularia outros casos- e a restauração da ordem pública, ameaçada pelo movimento das polícias militar e civil em vários Estados.
Com efeito, quando policiais demandam aumentos salariais portando revólveres, mascarados à moda de marginais, eles desafiam não somente a ordem pública, mas também o Estado de Direito.
A intervenção, contudo, dificilmente seria a solução, muito menos se realizada para resolver os problemas financeiros do Estado ou atender à demanda salarial.
Apesar da participação oportunista da CUT, o movimento dos policiais não pode ser equiparado aos da classe trabalhadora. É verdade que os soldados têm baixos salários, mas isso não justifica a indisciplina, menos ainda a baderna.
O movimento tem a ver com distorções acumuladas ao longo dos anos. Uma das mais recentes é a enorme disparidade de salários entre o topo e a base da pirâmide. Há coronéis reformados com o absurdo rendimento mensal superior a R$ 20 mil.
Tudo indica que algo estava para acontecer nessa área. A explosão tem a ver com salários, mas parece ter sido detonada pela perda de autoridade dos comandos das polícias e pelos erros de governadores.
A intervenção não poderia, pois, resolver uma situação que reclama muitas ações de médio e longo prazo.
Estudos do professor Paulo Sérgio Pinheiro, do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo, mostram que a questão é mais profunda do que uma mera reivindicação por maiores salários, por mais justo que isso possa ser.
Há, na realidade, uma emergência, que requer ação firme e coordenada do governo federal. Exigirá mais tarde uma ampla reforma, pois o problema não se esgota no apagar do incêndio que começou em Minas Gerais.
A intervenção em Alagoas poderia transmitir a impressão de vigor no trato do problema policial e da má administração das finanças estaduais, mas terminaria piorando a situação.
Além da paralisia das reformas, haveria efeitos imediatos do lado fiscal. Embora a intervenção não obrigasse o governo federal a bancar as despesas do governo estadual, isso terminaria acontecendo na prática.
A expectativa em Alagoas é a de que a intervenção abriria as burras do Tesouro para o Estado. A declaração do governador em exercício, de que renunciaria caso não chegasse a ajuda, é sintomática.
Alagoas não está isolada nessa visão. A Federação, criada artificialmente quando adveio a República, ainda não se consolidou. A experiência tem mostrado que autonomia quase sempre dá lugar ao pires na mão sempre que as dificuldades aparecem.
A cultura prevalecente na maioria dos Estados é a de que o governo federal dispõe de recursos ilimitados para investir em seu território ou para socorrê-los nas emergências. Não querem dar-se conta de que a União também quebrou.
A força política dos governadores resultou em aumento substancial das transferências de recursos da União para os Estados. Entre 1979 e 1988, elas passaram de 20% da arrecadação do IPI e do Imposto de Renda para 47% e 57%, respectivamente.
Dizia-se que despir a União desses recursos era a forma de desconcentrar poder e tornar realidade a autonomia estadual. Como se vê, ainda que desejável, nem mesmo a primeira parte se cumpriu integralmente.
Depois da "conquista" da autonomia, o paizão governo federal continua sendo procurado. A intervenção em Alagoas o faria assumir o problema de vez, com gastos maiores.
O prazo de intervenção dificilmente se cumpriria. Terminá-la sem encaminhar uma solução seria pior. Como o problema não se cinge a Alagoas, o precedente levaria a outras intervenções.
O governo poderia até saber a hora de intervir, mas dificilmente saberia a de sair. Nesse caso, seria alto o risco da criação de incertezas quanto ao futuro das reformas e da economia.

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