São Paulo, sexta-feira, 25 de julho de 1997
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A tardia reforma da ONU

RICARDO SEITENFUS

Há poucos dias, Kofi Annan indicou as linhas mestras de uma reforma da ONU. Sucessor do fracassado Boutros-Ghali, o novo secretário-geral se mostra sensível às centenas de reuniões, às dezenas de comitês e aos incontáveis relatórios que demonstraram a inevitabilidade das mudanças.
Infelizmente, Annan limitou suas sugestões à esfera administrativa: congelamento do orçamento regular; supressão de 10% dos postos burocráticos; prioridade aos programas de auxílio ao desenvolvimento; e criação do posto de vice-secretário-geral, responsável por arrecadar recursos suplementares.
A reforma, porém, deveria alcançar três níveis -o administrativo, o político e o operacional. Nas duas últimas décadas, a ONU recolheu pífios resultados em suas maiores tarefas, a manutenção da paz e da segurança internacionais e a busca do desenvolvimento equânime das quase duas centenas de países que formam a organização.
Contudo, Annan tem consciência de que qualquer modificação do tratado constitutivo da ONU exige não só a maioria dos membros do Conselho de Segurança (CS). Ocorre que os membros permanentes (China, EUA, França, Reino Unido e Rússia) podem exercer seu poder de veto e impedir qualquer modificação, conforme o artigo 108 da Carta de São Francisco. Portanto, sem o consenso desses países, nada será feito. E a reforma política atinge seus interesses essenciais.
Os EUA, pela primeira vez, estão dispostos a aceitar a idéia de dobrar o número de membros permanentes do CS. Contudo os países não-permanentes ainda seriam dez, compondo-se o CS de duas dezenas de membros. A idéia central é compatibilizar a representatividade com a eficácia.
Os novos membros permanentes seriam Alemanha e Japão. Os outros três representariam a América Latina, a África e a Ásia. Como designá-los? A inexistência de critérios objetivos e universalmente aceitos implica a utilização de percepções políticas.
A única solução viável seria designar um pequeno grupo de países candidatos em cada continente e aplicar um sistema de rodízio entre eles. Essa solução, além de justa, levaria esses continentes a um mínimo de solidariedade entre contíguos.
Mesmo não contemplado o prestígio que certos países buscam ao reivindicar seu ingresso no CS, essa solução representa um aumento de poder, relativamente à posição defendida pelo Brasil, que compreendia a permanência, todavia sem poder de veto.
Nesse caso, teríamos somente o ônus, nunca o bônus. Ressalte-se que o Brasil não pode adotar uma posição anti-Argentina. Ao contrário, em tempos de Mercosul, nada mais aconselhável do que a colaboração, não a competição, como Brasília sugere.
Outra grande ausência na anunciada reforma é de natureza operacional. A ONU é uma grande família, que reúne 16 organismos especializados. Ora, os objetivos desses organismos são, na maioria dos casos, muito próximos. Sem uma nítida definição de competências e sem a integração de atividades e programas, continuaremos a despender recursos desnecessários.
A ONU deveria ser eficiente, enxuta, empregando a maioria dos recursos nas operações-fins, não no sustento da burocracia. Assim, teria a indispensável agilidade para intervir em conflitos que castigam exclusivamente a população civil dos países envolvidos.
Após o primeiro passo de Annan e o segundo, dos EUA, espera-se que muitos outros apontem no sentido da solidariedade internacional, em detrimento de vaidades nacionais injustificáveis e do desperdício de recursos que poderiam evitar aviltantes e cotidianas cenas de fome e de horror, das quais todos devemos nos envergonhar.

Ricardo Antônio Silva Seitenfus, 49, é doutor em relações internacionais pelo Instituto Universitário de Altos Estudos Internacionais de Genebra (Suíça). É autor de "Manual das Organizações Internacionais" (ed. Livraria do Advogado).
E-mail: milaufsm@smnet.com.br

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