São Paulo, domingo, 27 de julho de 1997
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Brasileiro casa no escuro para ficar nos EUA

JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO

JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO; LISE OLSEN
DA REPORTAGEM LOCAL

Casamento custa até US$ 2 mil

Eles são jovens, têm pouca qualificação profissional e muitos estão dispostos a quase tudo para ficar nos EUA, até casar com um desconhecido. Esse é o perfil mais comum entre os brasileiros que conseguem legalizar sua permanência em território norte-americano.
"Pessoas iam à escola onde eu estudava inglês à noite para oferecer serviços de casamento para estrangeiros. Cobravam de US$ 1,5 mil a US$ 2 mil", conta Anderson Mattos Logullo, brasileiro que morou 11 meses nos EUA em 1991.
Ele trabalhava ilegalmente em Nova York, como eletricista na empresa de um brasileiro. Não casou lá e acabou voltando por causa da namorada que deixou no Brasil.
Hoje Logullo é um microempresário de informática em São Paulo, faz faculdade de análise de sistemas à noite e não planeja voltar. "Ganho mais aqui", calcula.
A história que ele conta, do casamento como passaporte para ficar nos EUA, aparece nas estatísticas do Serviço de Imigração e Naturalização (INS) norte-americano -que combate a imigração ilegal.
Consideradas apenas as mulheres -maioria entre brasileiros-, a taxa de vistos conseguidos por meio do casamento sobe para 61%.
É uma média muito superior à dos estrangeiros de outras nacionalidades que obtêm visto de permanência nos EUA. Para eles, esse percentual não chega a 40%.
Os brasileiros se aproveitam da legislação norte-americana, que é favorável à reunificação familiar, como explica a pesquisadora Teresa Sales, do Núcleo de Estudos de População da Unicamp.
"Há casamentos de fachada, mas não são tantos", acredita Teresa, que morou seis meses em Boston em 1995 estudando os imigrantes brasileiros como professora convidada do MIT (Massachusetts Institute of Technology).
"A legislação é muito dura e a entrevista, muito detalhista. É preciso conhecer tanto o outro (marido ou mulher) que acabam se gostando e casando de verdade".
É o caso retratado no filme "Green Card", no qual o francês interpretado por Gerard Depardieu casa-se com a americana vivida por Andie Mcdowell para obter o direito de ficar nos EUA. Apaixonam-se, mas ele é deportado.
"É igualzinho ao filme: tem que deixar roupas na casa da noiva americana, tirar fotos do casamento falso, sair de vez em quando com a pessoa (marido ou esposa) para saber o que dizer sobre ela se for interrogado pela imigração", diz o "retornado" Logullo.
O último número oficial (1990) do governo americano contabiliza 65.875 brasileiros vivendo nos EUA. Além de defasado, o dado não leva em conta os imigrantes ilegais, muito mais numerosos.
Só entre 1993 e 1996, o INS deu visto de permanência a cerca de 20 mil brasileiros. Desses, quase dois terços já moravam nos EUA e tiveram a sua situação regularizada.
Há outros indícios, indiretos, de que é grande o número de brasileiros irregulares nos EUA.
Em 1995, o INS lançou uma operação especial para combater a fraude de vistos em oito países das Américas, inclusive o Brasil.
Neste ano, o Departamento de Justiça fez uma blitz na costa leste dos EUA e prendeu imigrantes ilegais de 32 nacionalidades diferentes. O Brasil ficou em 8º no ranking: 19 detidos eram brasileiros.
As estatísticas revelam uma peculiaridade dos brasileiros. Apesar do esforço para ficar nos EUA, estão entre os que menos pedem naturalização: só 21% dos residentes legais têm cidadania americana. Entre os chineses a taxa é de 76%.
Aí o INS, Teresa e Logullo concordam no motivo: a maioria dos brasileiros pensa em voltar. "São saudades de casa", diz o "retornado". "Mas acabam ficando porque não vêem perspectiva na volta", afirma a pesquisadora.

Colaborou LISE OLSEN

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